2020: o ano em que o ICMC não parou – Parte II

Para não perder a conexão com os alunos, os professores tiveram que se reinventar durante a pandemia. De fato, talvez a arte de ensinar tenha sido um dos ofícios mais impactados pelo novo vírus.

Seria impossível relatar todas as transformações vivenciadas pelos cerca de 150 professores do ICMC nas disciplinas de graduação, pós-graduação e nos cursos de extensão. Para adaptar as aulas ao virtual e garantir que a aprendizagem fosse mantida, a maioria deles precisou aprender novas habilidades.

A seguir, quatro exemplos sintetizam as experiências ocorridas na especialização em Computação Aplicada à Educação, em uma disciplina de empreendedorismo, no curso de inverno em matemática e nas aulas de cálculo.

UMA MARATONA DE TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE CURSO

É sábado, 19 de dezembro de 2020. Quando o relógio marca 8 horas, começa a maratona: 36 estudantes disparam a corrida em salas do Google Meet para apresentar os pôsteres de seus projetos de conclusão de curso. O tiro de largada se repete novamente às 10h30, às 14 horas e às 16h30.

Ao todo 142 maratonistas que cursam a especialização em Computação Aplicada à Educação, oferecida pelo ICMC, percorreram o trajeto final do curso, completando a última de suas provas: o Trabalho de Conclusão de Curso.

Além da tensão típica que toma conta de qualquer ser humano no momento em que é avaliado, há nessas salas virtuais um sentimento de alívio e superação. Todos eles conseguiram cumprir a tarefa de fazer um trabalho de conclusão de curso durante um ano atípico, em meio a uma pandemia.

A maioria desses estudantes fez a especialização simultaneamente às atividades profissionais que exercem no dia a dia, quer seja como professores da educação básica, gestores, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, cientistas de computação…

A pandemia não foi o maior desafio enfrentado pela aluna Nayara Aires dos Santos

O leque de formação dos estudantes é bastante amplo, já que a especialização não é voltada apenas para especialistas na área de tecnologia. A variedade se reflete na amplitude de abordagens dos pôsteres que estão sendo apresentados neste sábado.

Basta ler alguns títulos dos trabalhos para ter uma ideia da gigantesca diversidade (veja a seguir). Aos que cruzaram essa linha de chegada, uma salva de palmas!

  • Antropologia online: ferramentas do ensino à distância como auxiliares do ensino universitário em tempos de pandemia

  • Design de conteúdo de vídeos imersivos abordando o procedimento de coleta de sangue para treinamento da equipe de enfermagem·
  • Realidade virtual no ensino de línguas estrangeiras: revisão integrativa

  • Criar e professorar um curso livre em odontologia: relato de experiência durante a pandemia
  • Genética no ensino médio: as mídias digitais e a compreensão de conteúdos abstratos

  • Treino de habilidades sociais via sistema tutor inteligente: uma abordagem tática para manutenção da saúde mental frente à covid-19
  • AlimentAR – Realidade aumentada aplicada à educação alimentar e nutricional de crianças até dois anos

A emoção de concluir o curso foi compartilhada pelos alunos nas redes socais

CONECTADOS, APESAR DA DISTÂNCIA

“Oito meses após a adoção de medidas de distanciamento social e da interrupção das aulas presenciais por conta da situação, os professores continuam se reinventando. Nesse período, foram obrigados a refazer sua metodologia de aula, gravar conteúdos de suas disciplinas, criar canais em redes sociais, mudar formas de avaliações, entre diversas outras demandas, que crescem a cada dia. Tornou-se comum ler reportagens e assistir entrevistas de professores de todas as partes do país, tanto da rede pública quanto da rede particular, relatando as diversas mudanças ocorridas e as novas atribuições e papéis dos docentes, que se originaram com a pandemia e o ensino remoto.

A Internet pode ser considerada como a base da mudança, no entanto, as alterações não se restringiram à questão tecnológica. Houve uma transformação comportamental dos professores para que a conexão com seus alunos não se perdesse e a aprendizagem pudesse ser mantida. A pandemia do novo coronavírus trouxe um cenário ainda mais desafiador para a Educação, que necessita ser pesquisado e compreendido para que possa produzir novos conhecimentos, além de promover a estruturação de ações possíveis para o presente e o futuro.”

Trecho retirado do trabalho “Antropologia online: ferramentas do ensino à distância como auxiliares do ensino universitário em tempos de pandemia”. Trabalho final de Fabiana Botton no curso de Especialização em Computação Aplicada à Educação. Orientador: Seiji Isotani. Co-orientação: Paula Toledo Palomino

EMPREENDENDO NA PANDEMIA

As aulas de empreendedorismo tinham acabado de começar quando a pandemia obrigou as atividades a continuarem acontecendo remotamente.

2020 foi o primeiro ano em que a professora Solange Resende encarou o desafio de ministrar, a distância, uma disciplina com o objetivo de desenvolver a capacidade empreendedora dos estudantes da área de computação. É uma atividade que ela realiza presencialmente desde 1997, quando criou a primeira disciplina de empreendedorismo no ICMC, juntamente com o professor André de Carvalho.

O que mudou neste ano atípico? “A pandemia muda o olhar de todas as pessoas para todas as questões. Isso vai desde a maneira como cuidamos da nossa saúde e da saúde dos outros, até o que valorizamos e o que somos capazes de entregar como resultado do nosso esforço”, pondera Solange.

Nessa disciplina, além das aulas teóricas, os alunos devem criar em grupo a proposta de uma nova empresa, uma startup, com um modelo de negócios replicável e escalável.

Ao longo do primeiro semestre de 2020, 14 convidados participaram das atividades online da disciplina, em sua maioria, empreendedores que relataram os percalços enfrentados na jornada para criar suas próprias empresas.

Com base nesses problemas, cada equipe teve de dois a três mentores para ajudar a apresentar uma solução. No final surgiram cinco trabalhos, que poderiam ser tornar as novas startups do mercado. Veja as apresentações nos vídeos.

Um júri composto por cinco especialistas escolheu as duas equipes que melhor conseguiram definir um problema, propor uma solução, apresentar sua visão de mercado e construir um modelo de receita e evolução no desenvolvimento do negócio. Girino e Home n’ Help conquistaram o pódio!

UM INVERNO MUITO QUENTE

2020 entrará para a história dos cursos de inverno em matemática oferecidos pelo ICMC. Foi quando as atividades oferecidas gratuitamente bateram recorde de público:

Os títulos dos cursos oferecidos de 20 de julho a 6 agosto por quatro alunos do ICMC – Hugo Cattarucci Botós, Caio Lopes de Araujo, Henrique de Almeida Lecco e Luciano Renato Neves Rocha – podem parecer frios e calculistas. Mas o coordenador do projeto, o professor Leandro Aurichi, garante que nunca houve tanto calor humano em um inverno no ICMC: “Normalmente, nas férias de julho, os alunos vão embora do Instituto e temos, em média, cerca de 10 estudantes participando de cada disciplina que ministramos no curso de inverno em matemática”.

O distanciamento social imposto pela pandemia acabou propiciando que mais estudantes de matemática se aproximassem do ICMC. Para garantir que houvesse ainda proximidade entre os participantes, os orientandos de Aurichi encarregados de ministrar aulas de inverno criaram um servidor na rede social Discord.

Trocas de experiências, esclarecimentos de dúvidas e dicas de estudo ajudaram a acalentar ainda mais o coração dos participantes. Um exemplo do quanto podemos nos tornar mais humanos em meio a uma pandemia.

ENFRENTANDO DESAFIOS EM CONJUNTO

Você consegue calcular como pode ser desafiador para alguém que ingressa em um curso de graduação superar os obstáculos que surgem durante as aulas de cálculo?

70 estudantes de graduação que vivenciaram a experiência de cursar uma disciplina de cálculo na USP puderam relatar suas experiências bem e mal sucedidas, além de compartilhar dicas de estudos durante dois eventos organizados pela professora Ana Cláudia Nabarro, do ICMC.

Ao longo dos anos em que ministra disciplinas de cálculo para estudantes da USP, em São Carlos, a professora aprendeu que a maioria das dificuldades nasce de uma falta de adaptação ao ambiente universitário e aos novos métodos de ensino-aprendizagem, tão diferentes dos utilizados no ensino médio.

Com a pandemia, essa adaptação ficou ainda mais difícil. Mal os calouros começaram a frequentar as aulas presenciais e, de repente, tudo foi suspenso e retomado a distância. E o ensino remoto traz desafios adicionais: exige-se ainda mais autonomia dos estudantes no gerenciamento dos próprios estudo e na gestão do tempo.

Por isso, são incalculáveis as muitas lições ensinadas e aprendidas nos encontros virtuais de 5 e 6 de agosto. Os depoimentos a seguir mostram a relevância desse tipo de iniciativa, cuja importância transcende a pandemia.

 

Saliento que os receios dos estudantes não são apenas devido à pandemia, mas que todos os anos me deparo com questionamentos de vários alunos ingressantes. Espero que esses encontros possam ser realizados em anos futuros e esses alunos já se animaram a fazer isso dar certo. Segundo eles mesmos disseram, o acolhimento do encontro fez com que acreditassem, realmente, que pertencem a uma Universidade e que, então, tudo é possível.

Ana Cláudia Nabarro, professora do ICMC

Os encontros online promovidos pela professora Ana Cláudia superaram minhas expectativas. Quando recebi o convite para participar, já sabia que seria uma ação importante para os alunos ingressantes deste ano, e assim foi.

Também foi notável o alívio dos estudantes no fim da conversa, registrado por comentários como: “Obrigada! Eu precisava disso!” e “Que bom saber que não era apenas eu com dificuldade!”. Tenho certeza de que as atividades promoveram uma nova visão e motivação.

Diego Oliveira Bomfim, aluno da USP

A formação de um grupo de pessoas que entendem o que o outro está passando é muito importante para poder construir uma rede de apoio e não se sentir sozinho neste momento de fragilidade. Eu vejo que não foi somente uma conversa, mas também o começo da mudança estrutural dentro da Universidade, que muitos dizem ter um padrão. E essa mudança enriquece a USP no sentido de igualdade, respeito e diversidade, essenciais em qualquer lugar, não só na instituição que é considerada a melhor da América Latina. É algo também importante para as pessoas que estão na USP serem os melhores.

Brena Marques, aluna da USP

Muito foi discutido nos encontros e, sem dúvida, muito foi aprendido. Nesse contexto, tivemos a oportunidade de compartilhar desde dúvidas até medos causados por esse mundo novo que é a graduação. Pudemos nos apoiar e usar da experiência para se ajudar mutuamente. Diversas técnicas de estudo e organização foram apresentadas proporcionando vários caminhos, de modo que todos encontrem o que melhor funcionar para si. Também acredito que tenha sido uma excelente forma de atingir os alunos com o lema ‘você não está sozinho, já passamos por isso”.

Eduardo Vinicius Macedo Vieira, aluno da USP

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