Acolhimento integral do estudante como parte da política de valorização da vida estudantil

Por Gerson Y. Tomanari, superintendente de Assistência Social (SAS) da USP, Antonio C. Marques, professor do Departamento de Zoologia da USP, e Marcia C. Bicego, professora do Instituto Oceanográfico da USP

Gerson Yukio Tomanari – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A gente não quer só dinheiro
A gente quer dinheiro e felicidade
A gente não quer só dinheiro
A gente quer inteiro e não pela metade

– Titãs, “Comida”

A formação em uma universidade de prestígio é um desejo justo e digno de muitos estudantes que buscam se desenvolver pessoal e profissionalmente. Infelizmente, essa conquista ainda é um privilégio em nosso país. Os frutos dessa valiosa oportunidade se refletem em diversas esferas, como na chance de mobilidade social para o egresso, nas perspectivas que se abrem à sua família e, em última instância, na maior qualificação que se agrega à sociedade, ratificando a importância da universidade para o desenvolvimento socioeconômico da nação. Porém, uma vez na universidade, não será apenas o esforço acadêmico pessoal que garantirá a formação do estudante. Nossa realidade social se impõe de maneira inclemente a todo instante, materializando-se na forma de múltiplos obstáculos e necessidades que dificultam a vida do estudante na sua função precípua de estudar e capacitar-se.

Quando essas dificuldades se interpõem, devemos assumir o importante papel de amenizar passivos socioeconômicos. A concepção de universidade deve compreender meios de assistir a crescente demanda de graduandos e pós-graduandos que merecem o apoio institucional em seu caminho da almejada formação profissional. A esse respeito, a Universidade de São Paulo é um modelo reconhecido internacionalmente pela qualidade e quantidade de benefícios sociais que oferece. Há décadas que a Administração Central e as Unidades de Ensino e Pesquisa somam ações e esforços para acolher estudantes que apresentam necessidades que dificultam ou impedem o melhor aproveitamento em seus estudos, sobretudo as que decorrem de condições socioeconomicamente adversas. Este apoio não é pequeno, é expressivo.

O ingresso dos estudantes nos cursos de graduação da Universidade de São Paulo, neste ano de 2021, marca a conclusão do processo gradual de inclusão social iniciado em 2018. Estão sendo oferecidas 11.147 vagas, sendo 8.242 pela Fuvest e 2.905 pelo Sistema de Seleção Unificada (SiSU) do Ministério da Educação, de maneira que 50% dos ingressantes originam-se de escolas públicas e, destes, 37,5% se autodeclaram pretos, pardos e indígenas (PPI). Essas proporções estarão presentes em todos os cursos da USP, em todas as suas turmas, em todos os seus períodos, diurno e noturno.

Superada a fase do vestibular, a Universidade acolhe os estudantes e oferece condições para que possam permanecer no curso. Mas sabemos que os variados fatores que possibilitam a sua permanência no ensino superior são de naturezas diversas e frequentemente ultrapassam necessidades estritamente socioeconômicas. É exatamente esse o ponto que trazemos à discussão: a Universidade deve buscar valorizar a vida estudantil por meio de ações que, ao mesmo tempo, acolham as necessidades prementes dos estudantes e os posicionem na interseção da ciência, da arte, da cultura e da cidadania, para que se tornem agentes ativos frente a questões humanas, tecnológicas, socioeconômicas e ambientais que desafiam a humanidade.

“Bebida e comida” – Uma estrutura formada de apoio estudantil

Na USP, a atenção ao estudante de graduação tem início antes mesmo do primeiro dia de aula. Ingressantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica podem ter dificuldades até mesmo para vir ocupar a vaga conquistada e iniciar seus estudos. Por isso, esses estudantes recebem auxílio financeiro mensal e alimentação totalmente subsidiada nos restaurantes universitários desde o primeiro dia de aula. Este é o Suporte ao Estudante Ingressante (SEI), baseado em um processo simples, rápido e declaratório, que o estudante conclui no momento de sua matrícula eletrônica.

Uma vez na USP, matriculados, os estudantes de graduação e de pós-graduação têm acesso a uma série de benefícios (v. abaixo), acompanhados por serviços, atividades e cursos nas áreas esportiva, artística e cultural; serviços odontológicos e de saúde; acesso a inúmeras oportunidades de financiamento para intercâmbios acadêmicos nacionais e internacionais; acesso a bolsas de estágio e de pesquisa científica e tecnológica; acesso a capacitação e subsídios em empreendedorismo.

Bolsas acadêmicas

Ao longo do curso, bolsas de estudo voltadas ao desenvolvimento de projetos acadêmicos, selecionados quanto ao mérito, estão amplamente disponíveis a todos os estudantes. Internamente, para dar apenas um exemplo, temos o Programa Unificado de Bolsas (PUB), que oferece anualmente cerca de 4.000 bolsas de graduação nas vertentes de ensino, pesquisa, cultura e extensão. O PUB complementa o conjunto de bolsas externas que exerce um papel fundamental para a permanência estudantil. No âmbito das agências governamentais, as bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado são imprescindíveis, sobretudo na pós-graduação. Há também as bolsas de estágios, que estreitam a nossa relação com o setor produtivo da sociedade, além de subsidiar as necessidades de manutenção dos estudantes.

Auxílios financeiros, de alimentação, de moradia, de transporte, de livros

Para os que demonstram necessidades socioeconômicas, a Universidade oferece auxílios para moradia, alimentação, transporte e livros. Atualmente, dos cerca de 59.000 matriculados em cursos de graduação, aproximadamente 20% dos estudantes da Universidade são apoiados pelo Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE), incluindo as 2.762 vagas em dez moradias estudantis espalhadas pelos campi da USP no Estado de São Paulo.

Alimentação subsidiada

A alimentação da comunidade universitária é vultosa. Os estudantes têm à disposição 16 restaurantes universitários, oito na capital e oito nos campi do interior, que servem aproximadamente 33.000 refeições diárias distribuídas em almoço, jantar e, em alguns deles, café da manhã. Em 2019, foram servidas mais de 5 milhões de refeições para graduandos e pós-graduandos, das quais cerca de 1,3 milhão tiveram subsídio total por meio do auxílio-alimentação provido a 11.600 estudantes, o que representa cerca de 20% do total de graduandos.

Acesso aos livros

Por meio da Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), a USP concede créditos mensais para que estudantes com maior necessidade possam comprar os livros relevantes para a sua graduação. É destinado cerca de R$ 1 milhão todos os anos a esse programa.

Transporte

O transporte para deslocamento interno nos campi, entre diferentes campi, com conexão ao transporte público e moradias estudantis, é fornecido pela Universidade a todos os estudantes de maneira totalmente subsidiada. Em algumas cidades em que os campi da USP estão presentes, o transporte subsidiado pela Universidade articula-se com a isenção total ou meia-tarifa nos transportes municipal e intermunicipal, regulamentados pelas leis locais.

USP no topo internacional da assistência estudantil

A política de apoio estudantil da USP é reconhecida internacionalmente. A edição 2020 do Times Higher Education (THE – University Impact Ranking) dá nota máxima à USP, e considera seu desempenho o terceiro melhor dentre as 376 universidades analisadas no que se refere ao “Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – Combate à Pobreza”.

No “Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – Fome Zero”, as ações institucionais para segurança alimentar dos alunos também alcançaram a pontuação máxima, colocando a USP na 15ª posição entre 290 universidades analisadas.

“Diversão e arte” – Valorização integral da vida estudantil

A notável capacidade da USP de oferecer benefícios sociais está atrelada a uma visão mais ampla, a de valorizar a vida estudantil, assumindo o papel de agente promotor dos ativos gerados na diversidade universitária. Explicamos.

Uma das maiores riquezas da USP é contar com uma ampla gama de ações que permitem aos estudantes ultrapassar os contornos delimitados pelas atividades-fim de ensino, pesquisa e extensão. São ações que ampliam os horizontes dos estudantes, inserindo-os na interseção da ciência, da arte, da cultura e da cidadania, possibilitando tornarem-se agentes (cri)ativos na solução das questões humanas, tecnológicas, socioeconômicas e ambientais que desafiam a humanidade.

Compreendemos que o suporte ao estudante ultrapassa o provimento de benefícios socioeconômicos e financeiros. Vamos a alguns exemplos, dentre muitas outras ações disponíveis aos estudantes da USP. Por meio dos Escritórios da Pró-Reitoria de Graduação (PRG), são oferecidas oportunidades aos estudantes de refletir e planejar sobre sua carreira (Escritório de Desenvolvimento de Carreiras) e de engajarem-se em atividades físicas e sociais (Escritório de Esportes). Nas ocasiões em que surge a necessidade de atendimento psicológico, os estudantes podem buscar apoio no Escritório de Saúde Mental, também da PRG, bem como em uma diversidade de serviços oferecidos na Universidade. O Serviço Social, ligado à Superintendência de Assistência Social e às Prefeituras dos campi, está permanentemente à disposição dos estudantes de graduação e de pós-graduação para ouvir as suas necessidades, analisar as condições, oferecer possíveis encaminhamentos especializados.

As ações multiplicam-se em tantas outras iniciativas com origem nas Pró-Reitorias, agências, órgãos centrais, Unidades de Ensino e Pesquisa, institutos especializados e museus. O ambiente criado traduz a riqueza de visões e da vida da própria Universidade de São Paulo. O desafio que se apresenta, portanto, é organizar, articular, integrar e aprimorar ações já existentes e, eventualmente, travar esforços conjuntos visando a novas iniciativas, incluindo as interlocuções com agentes externos à USP que venham a enriquecer e fortalecer o nosso diálogo com a sociedade.

A valorização da vida estudantil, concebida dessa forma, é abrangente, inclusiva, diversa, integrando e inter-relacionando aspectos de saúde mental, acolhimento psicológico, bem-estar físico, atividades esportivas, alimentação, apoio pedagógico, permanência estudantil, sustentabilidade socioambiental, moradia, mobilidade, serviço social, arte, cultura, ambiente de convívio e, não menos importante, cidadania. A Universidade tem o papel de formar cidadãos.

A operacionalização estratégica dessa visão requer a construção de parcerias, internas e externas à Universidade, que se localizem na interseção de atividades que tenham como eixo norteador a formação integral do estudante. Isso não se confunde com a replicação indiscriminada de ações e projetos. Muito pelo contrário, deve constituir projetos de ações integradas que precisam ser permanentemente acompanhados e seus efeitos, avaliados com relação à melhoria acadêmica individual e coletiva que almejam.

Poucas universidades têm vocação e condições de assumir esta ambiciosa visão de valorizar integralmente a vida estudantil. Esse não é o caso da Universidade de São Paulo. Muito pelo contrário, possuímos condições privilegiadas, de maneira que abrir mão desta nobre missão seria desperdiçar um patrimônio imaterial raro e imensurável.

Por Jornal da USP

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