Brumadinho em pauta: um olhar crítico sobre desastres ambientais

Nas ruas de Mariana (MG), diversas camionetes 4×4, novinhas em folha, transitam constantemente. Nas laterais das pomposas viaturas é possível visualizar a logomarca da Samarco, bem como também a da Vale nas placas das ruas e no trem que faz a viagem de Mariana à Ouro Preto. Esses pequenos detalhes dão pistas sobre a forte presença- e dominação- da mineradora no cotidiano dos moradores da cidade.

Conversa com alunos na praça de Mariana (crédito: arquivo pessoal)

O relato é de Carlos Roberto Monteiro de Andrade, docente do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU/USP) que, em parceria com o docente do IAU, Marcel Fantin, ministra a disciplina “Cultura, ambiente e sustentabilidade”. Obrigatória aos alunos do 1º ano do curso de Engenharia Ambiental da USP, a disciplina procura trazer um olhar crítico sobre desastres ambientais antrópicos (provocados pelo homem).

Com esse objetivo em mente, os docentes, desde 2016, realizam anualmente uma viagem didática até Mariana para que os alunos vejam (literalmente) de perto as consequências do rompimento da barragem da empresa Samarco, ocorrido em 2015. “Estudamos os impactos ambientais em uma perspectiva bastante ampla, visto que minha formação é em Ciências Sociais e Arquitetura, e a do Marcel em Direito e em Política e Administração de Recursos Minerais. Portanto, estudamos os impactos ambientais em suas múltiplas dimensões: sociais, econômicas, de saúde pública, sobre os ecossistemas aquáticos e terrestres etc.”, explica Andrade.

Durante as três viagens didáticas realizadas, docentes e alunos tiveram a oportunidade de conversar com diversos moradores locais, o que permitiu uma reunião de informações significativas e um olhar diferenciado sobre o desastre, dando ferramentas capazes de preparar os futuros engenheiros ambientais para a miríade de problemas que envolve os profissionais dessa área. “Essa visita traz discussões sob o ponto de vista histórico e socioeconômico da mineração no Brasil”, diz o docente.

Através desse contato regular com os moradores de Mariana nos últimos três anos, Andrade e Fantin tiveram acesso a uma triste realidade, na qual o interesse das grandes mineradoras prevalece sobre a segurança dos moradores.  “Por dispor de recursos minerais fartos e diversos, o Brasil é o segundo maior produtor de minério de ferro, que é vendido praticamente sem qualquer beneficiamento. Esse processo mostra uma dependência estrutural do Brasil em relação a esse produto, mas, sobretudo, o poder da empresa de mineração em definir todos os critérios de implantação de suas plantas industriais, também definindo quais serão as normas que regerão ela própria”, critica Andrade. “Por incrível que pareça, a legislação é afrouxada após esses desastres ambientais”.

O poder mencionado pelo docente pode ser medido através de um fato: mais de três anos após o desastre de Mariana, nenhum centavo sequer foi pago de indenização por parte da empresa, e não há nenhum responsável atrás das grandes, mostrando que a impunidade no Brasil perpassa o mundo político.

No que diz respeito à questão de Mariana, especificamente, Andrade diz que o que mais chamou sua atenção nessas visitas foi ver o poder da mineradora ser exercido na prática em uma cidade notória no país por suas características históricas, e que abriga um campus da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). “Assim como Brumadinho, essa é uma cidade completamente controlada pela Vale”, lamenta.

Sob o ponto de vista do princípio da prevenção, Fantin destaca que, após a privatização da Vale, que foi vendida pela bagatela de U$3,3 bilhões durante o governo FHC (somente suas reservas de minérios eram avaliadas em mais de U$100 bilhões), questões econômicas passaram a prevalecer sobre quaisquer outras. “A lógica do economista passou na frente da lógica do engenheiro de minas e do geólogo. Uma empresa negociada em bolsa passa a maximizar os lucros, o que está ligado a uma série de fatores, que vão desde a otimização da produção até, por exemplo, a redução nos investimentos em segurança de barragens”.

Segundo ele, com o boom do consumo de minério de ferro na China no início dos anos 2000, a lucratividade das mineradoras foi imensa e o que aparece agora é o “fim da festa”, revelando que a alta lucratividade se reverteu muito pouco em benefícios sociais e também em segurança.

Um olhar social sobre o desastre

Embora sejam da área de engenharia, na qual as questões técnicas costumam ser o foco, estudantes de engenharia ambiental têm um olhar mais crítico sobre tópicos de natureza social. “Uma reflexão que sempre colocamos aos alunos é que a qualidade e responsabilidade do trabalho deles já começa na graduação. Quanto menos rigor, quanto menos legislação ambiental, mais danos à população e ao ambiente e menos emprego para o engenheiro ambiental”, afirma Fantin. “A importância de se ter uma visão política para se pensar sobre a responsabilidade social e cidadã com relação ao seu país é de fundamental importância nesse processo”.

Ainda de acordo com o docente, as visitas à Mariana, que é um estudo de caso, são ferramentas pedagógicas, já que os relatos não são dados apenas pelo professor, mas sim pelos próprios atores sociais envolvidos: famílias, agentes públicos, jornalistas, pessoas de ONGs, entre outros, a partir da observação in loco.

O impacto das visitas sobre os alunos também é nítido, tendo uma ressonância bastante positiva entre eles. Prova disso é já terem elegido como tema da Semana da Engenharia Ambiental “Impacto de Desastres Ambientais”, mostrando que a responsabilidade social e cidadã desses alunos, de fato, tem início na graduação.

 

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