Como as empresas podem ser mais inteligentes?

Especialistas explicam que não basta ter ferramentas de inteligência artificial à disposição, o fundamental é saber como utilizá-las para a tomada de melhores decisões  

 

Um mundo com excesso de dados pode se tornar um paraíso ou um inferno para os negócios. Para lidar com esse arsenal gigantesco de dados coletados em tempo real, por meio de dispositivos móveis e interações na web, não basta ter ferramentas de inteligência artificial à disposição, dizem os especialistas da área.

“Quanto mais a empresa usa a inteligência artificial, mais ela vai depender dos seus colaboradores”, destaca o professor Lawrence Chung Koo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde coordena o curso de pós-graduação Business Intelligence. “A questão crucial é: quem toma as decisões a partir dos dados?”, questiona o professor. “No mundo da inteligência artificial, o papel de quem decide cresce em vez de diminuir”, adiciona.

O professor ressalta também que, como vivemos em um cenário em constante transformação, o desempenho das empresas depende, cada vez mais, da aceleração da aprendizagem de seus colaboradores: “Não existe mais idade para parar de estudar nem para começar”.

As reflexões de Chung Koo foram apresentadas durante o evento online IA e Negócios – Como a IA contribui no desenvolvimento de soluções empresariais. O professor alerta para o quanto, antes de saber o que é possível fazer com o arsenal de dados disponíveis, é fundamental compreender quais perguntas os gestores desejam responder ao analisar esses dados.

Realizado pela startup Visibilia, o evento online contou com o apoio do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, e mostrou algumas possibilidades de implementação da inteligência artificial no ambiente empresarial, trazendo exemplos de aplicações na área de marketing e recursos humanos. Outro aspecto destacado foi a necessidade da formação de jovens profissionais para atuar na área.

“Quanto mais a empresa usa a inteligência artificial, mais ela vai depender dos seus colaboradores”, destaca o professor Lawrence Chung Koo.

 

A busca por qualificação Para atender a essa crescente demanda por formação, uma nova pós-graduação foi criada este ano pelo ICMC: o MBA em Inteligência Artificial e Big Data (https://mba.iabigdata.icmc.usp.br), que está com inscrições abertas até dia 18 de maio.

“Como fazer a pergunta adequada aos dados que temos à disposição? No novo MBA, teremos um módulo de soluções para que os alunos possam treinar essa habilidade. É quando vamos desafiá-los a criar uma solução para um problema do mundo real, ensinando a trabalhar com a metodologia científica, que implica olhar para os dados, fazer as perguntas adequadas e construir uma solução que seja replicável depois, que possa ser validada por outras pessoas e aplicada em outros domínios”, explica a professora Solange Rezende, vice-coordenadora da nova pós-graduação.

Segundo a professora, para resolver problemas do mundo real, tal como os desafios que as empresas estão enfrentando atualmente, compreender o método científico faz toda a diferença: “Porque, com esse método, você consegue ter um entendimento do problema, construir uma solução e ser capaz de explicar os meios utilizados para chegar àquela resposta. Além de explicar esses meios, você consegue responder às principais perguntas relacionadas a solucionar um problema real: por que usar essa técnica nesse caso? Onde está a essência da solução?”

Solange explica, ainda, que no módulo de soluções, o aluno vai cursar quatro minicursos de metodologia e projeto científico, além de desenvolver o Trabalho de Conclusão de Curso, em que colocará a mão na massa e resolverá um problema usando as técnicas de inteligência artificial e de processamento de grande volume de dados que aprendeu. “Um ponto interessante e importante é que, durante todo esse processo, cada aluno do MBA será acompanhado por um orientador específico, que vai ajudá-lo a aplicar o conhecimento que adquiriu para encontrar ou construir uma solução para o problema que ele escolheu solucionar”, completa a professora.

“No entanto, para auxiliar na busca de soluções, é importante também ter conhecimento amplo dos novos métodos existentes na área de inteligência artificial. Certamente, isso propiciará o surgimento de novas ideias para o desenvolvimento de sistemas para tomada de decisão”, acrescenta a professora Roseli Romero, do ICMC, que coordena o novo MBA.

Ela explica que o aluno do curso terá acesso a esses conhecimentos de ponta em um módulo avançado, em que poderá escolher cinco dessas oito disciplinas: processamento de linguagem natural; engenharia de dados; visualização de dados; recuperação de imagens por conteúdo; processamento analítico de dados em larga escala; redes complexas; inteligência analítica usando mineração de textos; e análise de dados multimídia.

 

Formado em Informática pelo ICMC, onde também fez mestrado e doutorado, o professor Alan Valejo trabalhou nos projetos de criação do SIION e da BeeNet.

Desafios já superados Entre os diversos desafios que as empresas enfrentam atualmente, alguns já podem ser superados usando tecnologias baseadas em inteligência artificial. Em um cenário em que tudo está sendo digitalizado, a covid-19 foi apenas mais um fator de aceleração desse processo.

“A demanda para vagas de tecnologia tende a aumentar significativamente à medida que mais tecnologia vem sendo injetada na economia brasileira. Isso significa que os times de recrutamento precisam trabalhar com previsibilidade para conseguir preencher as vagas abertas com assertividade e de forma rápida. E isso demanda uma estrutura ágil e uma grande quantidade de informações, além de um processo em constante desenvolvimento”, defende a especialista Paula Morais no artigo Empresas que não repensarem novas formas de recrutar vão perder luta por talentos, publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo dia 9 de março.

Cofundadora e CEO da Intera, startup de recrutamento digital, Paula lança várias perguntas no artigo, tais como: “qual a perspectiva do recrutamento no pós-pandemia? O que as empresas precisarão fazer para sair na frente na busca pelos melhores profissionais?”. Segundo ela, um dos aspectos fundamentais a serem considerados é que o modelo de trabalho remoto permite a contratação de profissionais de qualquer parte do mundo, o que aumenta a oferta de candidatos.

Por outro lado, essa nova realidade possibilita que milhares de empresas passem a lutar pelos mesmos talentos. Ou seja, se antes as empresas tinham dificuldade para contratar profissionais de tecnologia, agora o problema tende a piorar. “E isso gera uma perspectiva evidente: as empresas que não repensarem novas formas de recrutar vão perecer na luta pelos melhores talentos”, assegura a empresária.

Promover a inovação na hora de recrutar, usando técnicas de inteligência artificial, é o objetivo da ferramenta BeeNet, uma das soluções mostradas no evento online IA e Negócios. Voltada a recrutadores, profissionais de TI e áreas correlatas, a BeeNet oferece suporte em divulgação de vagas, processos seletivos e atividades de recrutamento e seleção, por meio de um sistema de recomendação.

Outro exemplo de como a inteligência artificial pode ser aplicada aos negócios é o Sistema Inteligente para Identificação de Oportunidades de Negócios (SIION). Trata-se de um serviço web criado especialmente para automatizar tarefas ligadas à localização de áreas geográficas com melhor potencial para garantir o sucesso comercial de um determinado negócio.

“Estamos produzindo dados georreferenciados o tempo todo. Essas informações podem ser usadas a nosso favor”, revelou o pesquisador Alan Demétrius Baria Valejo, ao apresentar o SIION, durante o evento online realizado na tarde de 23 de fevereiro.

Professor do Departamento de Computação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Valejo explicou que, quando as pessoas possuem um smartphone equipado com GPS, a maioria dos aplicativos usados acessam dados de localização geográfica. Esses dados podem ser enriquecidos com atributos adicionais como informações de contexto e dados temporais. É o acesso a essas informações que possibilita a uma empresa enviar uma promoção para um cliente potencial que está se aproximando de uma de suas lojas, por exemplo.

O SIION disponibiliza dados às empresas para que sejam capazes de realizar esse tipo de ação de marketing e também serve para recomendar áreas comerciais ideais. Formado em Informática pelo ICMC, onde também fez mestrado e doutorado, Alan trabalhou nos projetos de criação do SIION e da BeeNet.

Para desenvolver as duas soluções, a empresa Visibilia contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por meio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE). Além de viabilizar a participação de Alan nos projetos, o auxílio oferecido pela FAPESP também possibilitou que o professor Alneu de Andrade Lopes, do ICMC, contribuísse com a criação da BeeNet.

“Todas as soluções que criamos para as empresas usando técnicas de inteligência artificial se respaldam em pesquisas científicas”, destacou Jorge Valverde-Rebaza durante o evento online. Cofundador e diretor executivo operacional da Visibilia, Jorge também fez mestrado e doutorado no ICMC.

Tanto a BeeNet quanto o SIION se tornaram exemplos práticos do quanto a aproximação entre o mundo dos negócios e o mundo acadêmico pode render bons resultados. Com a criação do MBA em IA e Big Data, a esperança é de que mais inovações possam ser geradas por pesquisadores nas empresas brasileiras, ainda tão carentes de boas perguntas e respostas.

 

Texto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC/USP

Fotos: divulgação

 

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