Construir mais prédios realmente torna as cidades mais inclusivas?

A verticalização das cidades é realmente um fator importante para proporcionar a inclusão social? Em que medida processos de verticalização implicam em transformações do tecido urbano e de suas práticas socioespaciais? Um projeto de pesquisa bilateral firmado entre Brasil e França – mais especificamente entre o Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU/USP) e a Universidade de Lyon (UdL) – aborda essas e outras questões. “A sustentabilidade social tem um peso grande nesse projeto, porque a discussão que buscamos fazer é: em que medida a verticalização das cidades, na lógica do modelo neoliberal de produção da cidade atual, efetivamente promove, ou busca promover uma maior inclusão”, explica Manoel Rodrigues Alves, docente do IAU e um dos coordenadores do projeto.

Dentre as hipóteses urbanísticas, sociais, culturais e simbólicas averiguadas no projeto, uma delas investiga justamente em que medida esse fato, inclusividade, comprova-se na prática. Para viabilizar esse argumento, Manoel e pesquisadores do projeto – que congrega membros de quatro universidades brasileiras, bem como de universidade francesa e argentina -, mesclam docentes, alunos de graduação e pós, no desenvolvimento de pesquisas transdisciplinares teóricas e de campo.

O projeto investiga aspectos de distintos processos metropolitanos de verticalização, em particular nas cidades São Paulo e Lyon, tendo como foco os edifícios highrises: prédios com mais de 10 pavimentos ou mais de 50 metros de altura. Iniciado em 2017, o projeto compreende quatro etapas principais: a primeira promove um diagnóstico espaço-temporal de aspectos da verticalização no continente europeu e na América do Sul e a segunda contextualiza singularidades e questões da legislação na construção dos edifícios highrises no Brasil e na França. Finalmente, as duas últimas etapas, fortemente analíticas, estão relacionadas aos modos de vida, representações e imaginário dos moradores dos edifícios. “Que práticas socioespaciais ocorrem no entorno desses edifícios? Em que medida o discurso sobre novos modos de morar efetivamente acontecem? Responder a essas perguntas é o objetivo principal dessas últimas etapas, sendo necessária muita pesquisa de campo para responde-las”, elucida Manoel.

Impressões in loco

Porém, antes de se iniciarem os trabalhos em campo, trabalhosas análises qualitativas e quantitativas foram feitas (clique aqui para acessar a imagem). Conforme já mencionado, o projeto foca suas atividades em São Paulo e Lyon. Mas não se pretende trazer um quadro comparativo entre essas duas cidades, visto que possuem duas realidades completamente distintas, inclusive no que se refere à quantidade de highrises: Lyon tem 150, enquanto São Paulo tem mais de 19 mil. “Porém, colocar essas cidades lado a lado no projeto torna-se relevante, porque o que estará em xeque é a lógica de produção das cidades. O resultado espacial, independente do contexto sociocultural e de singularidades do urbano, responde cada vez mais a imagens globais pré-definidas. Isso, obviamente, reflete-se na arquitetura e no urbanismo, não importa se em Lyon ou se em São Paulo”, elucida Manoel. “A lógica de produção das cidades é cada vez mais global e homogênea e promove estruturas espaciais cada vez mais similares”.

Em relação às fases de análise, que precedem os trabalhos em campo, o projeto considera cinco escalas diferentes: a continental (Europa e América do Sul), regional (Brasil e França), local (região metropolitana de São Paulo), intraurbana e o edifício em si. Mas qual será a estratégia utilizada pelos pesquisadores para dentre milhares de edifícios paulistanos escolher aquele que será analisado?

Para fazer esse desafiador filtro, os pesquisadores adotaram o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), indicador universal, para possibilitar a caraterização de unidades territoriais de análise em distintos contextos. No caso de São Paulo, eles têm como base os dados fornecidos pelas Unidades de Desenvolvimento Humano (UDH / UDH-M) (clique aqui para acessar a imagem). De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, as UDHs foram delineadas para gerar áreas espaciais mais homogêneas, do ponto de vista das condições socioeconômicas, e voltadas para a análise espacial das regiões metropolitanas por meio de recortes espaciais de maior homogeneidade socioeconômica, com o objetivo de retratar as desigualdades intrametropolitanas de forma mais contundente. “As UDHs nada mais são do que bairros divididos de acordo com o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano]. Os bairros nem sempre são homogêneos, mas a UDH traz um nível de confiança de que todo aquele território tem o mesmo IDH”, explicam os bolsistas do projeto, Luiana Cardozo, Aluísio Martel, Jeanne Vilela, Letícia Ribas, Natália Braga e Vanessa Rodi**. “As UDHs são menos arbitrárias do que um bairro, sob o ponto de vista socioeconômico”.

De acordo com Manoel, por meio de metodologia específica desenvolvida para a leitura de territórios urbanos e emprego de distintas bases de dados, por meio de softwares de SIG e aplicativos específicos, os dados são sistematizados nas UDH-M, na produção de cartografias e narrativas espaço-temporais do processo de verticalização em São Paulo. “Adotamos quatro faixas de IDH em São Paulo, de menor ao maior IDH. Fazemos uma série de estudos tendo como base os dados fornecidos. Conforme vamos afunilando a análise, ela passa a ser muito mais qualitativa do que quantitativa”, explica.

A verticalização é inclusiva: fato ou mero discurso?

Após as análises qualitativas e quantitativas, os pesquisadores iniciaram os trabalhos em campo. Durante as observações in loco, o projeto compreende não somente o contato com os moradores dos edifícios, mas também interlocuções com agentes municipais, procurando promover a troca de experiências autônomas.

Mesmo que as análises estejam em desenvolvimento e os resultados sejam preliminares, Manoel diz que hipóteses do projeto já se comprovam em grande medida, inclusive em relação à verticalização das cidades as tornarem mais inclusivas. Para pesquisadores do projeto, cada vez mais, a cidade, bem como as construções nela, são vistas como commodities, e o espaço urbano passa a ser um elemento fundamental de reprodução do capital. “Você tem, portanto, lógicas e consequências que inviabilizam a inclusão”, diz Manoel. “O argumento de que é possível, através da verticalização, promover uma cidade mais densa e, consequentemente, mais inclusiva e espacialmente justa não se comprova em diversas de nossas análises. A construção de prédios torna a cidade mais densa, mas não mais inclusiva”.

Construindo uma linha do tempo que associa legislação e outros diferentes tópicos referentes à verticalização das cidades, como fatos sociais e políticos, por exemplo, os integrantes do projeto constatam processos de “financeirização” da cidade, distintos em suas especificidades e singularidades no Brasil e na França. “Essa linha de trabalho sequer existia no projeto, e agora é uma de suas principais. Em 2012, por exemplo, há um pico de verticalização em São Paulo, da mesma maneira que no Minha Casa Minha Vida também tem um pico de verticalização. O que isso representa? Nós ainda nos debruçaremos sobre esse tipo de análise também”, adianta Manoel.

Com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e da Agence Nationale de la Recherche (ANR- França), o projeto, iniciado em 2017, tem prazo de vigência até 2020, e tem produzido uma imensidade de dados, quali e quantitativos. Decorridos quase dois terços de seu prazo, já é possível vislumbrar parte das contribuições que a pesquisa fornecerá, entre elas produção de narrativas, informações sobre tendências à verticalização, contextualização e desenvolvimento do conceito de inclusão, além do “efeito colateral” de internacionalização do IAU, através da forte parceria com Lyon. “Ao final do projeto, teremos a realização de um evento internacional. Haverá também publicações, já iniciadas, assim como participações em congressos internacionais, que, esperamos, expressem o amadurecimento do projeto e de suas reflexões”, conclui Manoel.

* Christian Montès, docente da UdL, é o coordenador do lado francês

** com exceção de Luiana, todos os outros são alunos de graduação do IAU

*** Emporis, EMBRAESP, Atlas Brasil e Geosampa

Por Assessoria de Comunicação do IAU

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