E-book gratuito apresenta estratégias para o ensino de química nas escolas

Produzido no Instituto de Química de São Carlos da USP, material traz conteúdos didáticos que unem ciência e cotidiano para aplicação em sala de aula

E-book traz estudos de caso para aplicação em sala de aula – Arte sobre foto/Pexels

Uma nova estratégia de ensino da disciplina de química é difundida pelo e-book gratuito Estudos de caso: abordagem para o ensino de química, organizado por Salete Linhares Queiroz, professora do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP. A obra compila dez casos, contados em forma de narrativa, que discutem conteúdos didáticos presentes nas salas de aulas, no intuito de conectar os conceitos científicos com questões do cotidiano humano. Pensado para atender às demandas de professores e potencializar a docência e o aprendizado, o material pode ser acessado e baixado gratuitamente neste link.

A organização do livro destaca a preocupação social e política da obra, que procura desenvolver o ensino aliado a uma reflexão crítica dos assuntos apresentados. As temáticas incluídas perpassam a contaminação ambiental, efeitos na saúde decorrentes da fabricação de espumas, falsificação de dinheiro e os cristais líquidos, e vão até a história e cultura afro-brasileira e indígena. Todas são trabalhadas por meio da construção de contextos diversos, para fortalecer a resolução de problemas, a argumentação, a comunicação, a colaboração entre pares, entre outras, como pontuam os organizadores.

Os capítulos agregam dilemas e problemas relativos à disciplina de química e, junto a eles, apontamentos didáticos, características dos casos narrados, fontes de inspiração, possíveis soluções e conteúdos de química recorrentes. Toda a obra é direcionada para facilitar a aplicação do método de estudo de caso pelos professores, e também promover uma forma de ensino que priorize o desenvolvimento de habilidades e pensamentos críticos pelos estudantes.

Livro parte de casos do cotidiano para ensinar química – Foto: Reprodução/IQSC


Descarte de esmaltes

Um dos casos, “Esmaltes pintam a unha e o meio ambiente”, feito por Anabel Kovacs, Luís Felipe Exner e Miqueias Silva de Lima, trata do descarte inadequado de esmaltes e das responsabilidades socioambientais de microempreendedores. Os autores utilizam na narrativa dados que mostram que o Brasil destaca-se na produção e venda de esmaltes. “O mercado está sempre se transformando e as pessoas consomem as novidades antes mesmo de usar as unidades que já possuem. Adicionalmente, em 2021, foram formalizadas mais de 3,9 milhões de microempresas por meio de registro de Microempreendedores Individuais (MEI), um número 19,8% maior que em 2020. Cabeleireiros, manicures e pedicures correspondem a uma grande parcela desses novos registros, totalizando 134 mil novos MEI no ramo, em 2021”, informam, acrescentando que ainda não há legislação vigente sobre o descarte de esmaltes, somente sobre o descarte de materiais como espátulas e higienização de toalhas.

No tocante ao ensino médio, observando o currículo proposto para a área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias, a resolução do estudo de caso pode mobilizar, como apontam,  o aprendizado de diversos conceitos relacionados principalmente à química, mas também à biologia, tais como estrutura da matéria, transformações químicas, estrutura e propriedades de compostos orgânicos e inorgânicos, poluição, políticas ambientais etc. Em relação às habilidades e competências, aborda, por exemplo, a capacidade de avaliar potenciais prejuízos de diferentes materiais e produtos à saúde e ao ambiente, considerando sua composição, toxicidade, reatividade e nível de exposição na proposição de soluções individuais e/ou coletivas para o seu uso adequado, além de avaliar riscos envolvidos em atividades cotidianas, aplicando conhecimentos das ciências da natureza para justificar medidas de segurança.

O estudo também pode discutir as responsabilidades socioambientais e as condições de trabalho associadas à profissão de manicure, favorecendo ações interdisciplinares entre as áreas de Ciências da Natureza e suas Tecnologias e de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, na busca da discussão e promoção das habilidades de analisar e comparar indicadores de emprego, trabalho e renda em diferentes espaços, escalas e tempos, associando-os a processos de estratificação e desigualdade socioeconômica e de problematizar hábitos e práticas de produção e descarte (reúso e reciclagem) de resíduos na contemporaneidade e elaborar e/ou selecionar propostas de ação que promovam a sustentabilidade socioambiental e o consumo responsável.

Os autores propõem várias aplicações em relação ao ensino superior em diversas disciplinas dos cursos de bacharelado ou licenciatura em química, como, por exemplo, química ambiental, para discussão dos aspectos socioambientais envolvidos na produção industrial; ou ainda química geral, química orgânica ou química inorgânica, para discussão das propriedades das substâncias em relação à sua estrutura, e como as mesmas interferem na degradação ou toxicidade dos materiais descartados de maneira imprópria no meio ambiente.

Diante disso, são apresentadas soluções que discorrem sobre o uso consciente dos produtos e que apontam formas corretas de descarte. “A primeira solução se baseia no seu recolhimento por empresas e companhias especializadas em reciclagem. Inicialmente, recomenda-se o contato com o fabricante do esmalte, para verificar se este recolhe as embalagens. Caso isso não seja possível, recomenda-se a procura de programas e iniciativas alternativas”. A publicação cita o programa Beleza Verde, gerenciado pela empresa de reciclagem Dinâmica Ambiental, que recolhe embalagens antigas ou esmaltes inutilizáveis em estabelecimentos de estética e realiza o processo de reciclagem.

Além disso, a maioria das manicures descarta os vidros de esmaltes quando ainda resta conteúdo e, entre os motivos, destaca-se o prazo de validade, a consistência do líquido e o vidro quebrado. Uma solução é a realização de campanhas de conscientização no que tange ao consumo total do produto, evitando desperdícios e a compra em demasia. Uma ideia alternativa na utilização das pequenas quantidades que sobram no recipiente diz respeito à customização de objetos e acessórios, como bijuterias, esculturas etc.

Livro apresenta estudo de caso de componente-chave para a tecnologia LCD que encontra-se em escassez mundial – Foto: Freepik


E as telas de LCD

“LCD são displays formados por cristais líquidos, que têm sua estrutura molecular alterada quando recebem corrente elétrica. Em seu estado normal esses materiais são transparentes, mas ao receberem uma carga elétrica tornam-se opacos, impedindo a passagem da luz”, define a narrativa do estudo de caso Índio na TV, de Fellipe Magioli Cadan, Chubraider Xavier e Guilherme Balestero da Silva. O texto trata do elemento índio, de número atômico 49, um componente-chave para a tecnologia LCD e que encontra-se em escassez mundial.

O óxido de índio e estanho (ITO, Indium Tin Oxide), citado na narrativa, é um exemplo de semicondutor. “O óxido é um material extremamente prospectado na optoeletrônica, pois é, ao mesmo tempo, condutor e incolor, capaz de atuar como um vidro metálico na região do infravermelho”, informam os autores. E acrescentam: “O ITO também é muito facilmente depositado na forma de filmes em uma grande variedade de superfícies, principalmente por deposição física de vapor”, enumerando seus usos em uma vasta gama de produtos comerciais: displays de placas planas, janelas inteligentes, dispositivos eletrônicos baseados em polímeros, filmes fotovoltaicos e portas de vidro dos freezers de supermercados. “Mas, de longe, seu emprego principal é como revestimento antirreflexivo em displays de cristal líquido, sem o qual o dispositivo é incapaz de ser efetivamente funcional”, dizem.

Para além dos conteúdos puramente científicos já destacados envolvendo o conceito de semicondutores e cristais líquidos, os autores propõem para o ensino médio uma reflexão a respeito da extração de metais e a finitude de recursos naturais, como a escassez do elemento químico índio, que origina o problema narrado no caso, permite ampliar e aprofundar a discussão. Ainda podem ser abordados tópicos como metais, processos de obtenção e o sistema produtivo, os impactos sociais e ambientais decorrentes da extração de matéria-prima, o comportamento de materiais e a estrutura da matéria, transformações químicas envolvidas em processos elétricos e eletrônicos etc. Quanto ao ensino superior, é clara a aproximação dos conteúdos veiculados no caso com temáticas e conceitos de diferentes subáreas da química, como a química inorgânica e a físico-química.

Como alertam os autores, “o esgotamento de recursos naturais é um assunto que vem sendo amplamente discutido no mundo globalizado contemporâneo”. Duas possíveis soluções são apresentadas e envolvem a continuidade no uso de ITO, por meio do emprego de índio de segunda geração, e a troca do óxido empregado na tecnologia LCD por outros materiais.

O e-book pode ser acessado gratuitamente clicando aqui e mais informações estão no site do IQSC.

 

Por Jornal da USP

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