Ensino remoto na USP mostra esforço coletivo para manter qualidade

Com 92% das aulas ministradas on-line, foram necessárias infraestrutura e adaptação de métodos, prazos e formas de avaliação para auxiliar alunos em dificuldades, garantindo continuidade do ensino durante a pandemia. Leia e ouça depoimentos de professores e alunos

O fim do primeiro semestre letivo deste ano é uma oportunidade para repensar formas de ensino e aprendizagem num momento em que a educação presencial não é possível. Na USP, desde que as atividades presenciais foram suspensas, a continuidade das aulas num contexto de ensino remoto emergencial foi possível graças ao esforço de dirigentes, professores e alunos que puderam contar com uma infraestrutura tecnológica computacional, duas plataformas de cursos e ferramentas de educação a distância que já existiam na Universidade antes da pandemia. Além disso, tutoriais para disponibilizar aulas on-line e um curso específico sobre aprendizagem em ambientes virtuais também já estavam disponíveis para os professores da instituição, por meio de um trabalho iniciado em 2016 pela Comissão de Acompanhamento e Atualização do Ambiente Virtual de Aprendizagem da USP.

As atividades remotas continuam na USP no segundo semestre, conforme anunciado no dia 16 de junho no plano de readequação das atividades acadêmicas, documento apresentado durante a Reunião de Dirigentes, que contou com cerca de 130 diretores da Universidade. De acordo com o documento, as aulas e atividades práticas de 2020 deverão ser repostas no período de janeiro a março do próximo ano.

O processo de mudança para o ensino a distância teve início no dia 17 de março. Ao mesmo tempo que anunciava ações de segurança para garantir a continuidade de trabalhos essenciais e de pesquisa na emergência da pandemia, a Reitoria determinava a continuidade remota das atividades letivas dos cerca de 90 mil alunos matriculados nos cursos de graduação e pós-graduação. “A USP não vai parar”, comunicou à época o reitor Vahan Agopyan em reunião com diretores das Unidades de Ensino e Pesquisa sobre, entre outros assuntos, a manutenção das aulas no formato on-line. A educação a distância, que na maioria das instituições de ensino superior se dá por meio de ambientes virtuais de aprendizagem, poderia então substituir temporariamente as aulas presenciais conforme a portaria número 343 publicada pelo Ministério da Educação (MEC).

A partir daí, professores tiveram que adaptar seus conteúdos ao formato on-line em documentos, planilhas, vídeos e podcasts enquanto alunos tiveram que organizar novas rotinas de estudo e buscar formas de visualizar as aulas e materiais disponibilizados no ambiente virtual. Para garantir o acesso de alunos em situação de vulnerabilidade social, kits compostos de chip para celular e modem portátil foram distribuídos para conexão à internet, contexto que muitos estudantes de universidades públicas só vão poder vivenciar a partir do segundo semestre.

Foi a infraestrutura computacional mantida pela Superintendência de Tecnologia da Informação (STI) da USP que garantiu lidar com o aumento de tráfego de dados e armazenamento dos novos conteúdos e manter professores e alunos conectados para realização de aulas a distância com acesso às plataformas da USP (e-Disciplinas e e-Aulas), além de ferramentas como Google Gsuite, Google Meet e Google Classroom. O oferecimento de atendimento on-line para resolver dúvidas por e-mail, telefone e chamados também foi essencial no período de adaptação. Em outra frente, a Pró-Reitoria de Graduação (PRG) se mobilizou para oferecer suporte para que os professores pudessem preparar seus materiais para o ambiente virtual com tutoriais em texto e vídeo, além de treinamentos e cursos.

Além do esforço institucional em oferecer recursos, professores tiveram que adaptar métodos de ensino e avaliações para atender alunos em dificuldade num esforço coletivo para superar desigualdades no processo de educação a distância. Confira abaixo a experiência de alguns professores, alunos e dirigentes sobre o ensino remoto na USP:

Depoimentos

No começo, foi bastante difícil […] nós tivemos duas semanas para converter os cursos presenciais em cursos a distância […] aí que fui realmente conhecer os ambientes virtuais, as possibilidades de plataforma, gravação das aulas, todas as ferramentas disponíveis para as aulas a distância. […] Criamos uma comissão de crise […] conseguimos fazer um monitoramento dos alunos que não tinham acesso […] repactuamos prazos e métodos de avaliação […] um monitoramento que a gente faz para conseguir atravessar esse período da melhor forma possível.

André Mountian – professor do curso de Gestão em Políticas Públicas e vice-coordenador de graduação na EACH-USP

 

O EaD tem sido um desafio para mim principalmente no que se relaciona ao meu rendimento […] Eu, que sempre preferi estudar sozinha, ser autodidata, tenho tido muita dificuldade em manter a atenção e a sensação é que meu esforço tem sido insuficiente. Não tenho conseguido manter a matéria em dia como gostaria […] tenho demandado muito mais tempo para realizar as tarefas ou tenho dedicado muito mais tempo para aprender o mesmo conteúdo. […] Agora mesmo, nem sei quantos dos meus colegas podem estar de luto […] nem sei o quanto tudo isso pode estar afetando o rendimento deles […] Esse é um desafio de toda uma comunidade.

Priscilla Queiroz – estudante do terceiro ano do curso de Fisioterapia na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP

 

Pensar num modelo de educação a distância onde as coisas são planejadas sem tempo adequado foi um desafio extremamente grande […] devido à urgência, a gente partiu mais para a direção do ensino emergencial remoto […] A gente tenta adaptar atividades, conteúdos e desenvolvimento de habilidades para que se mantenha tanto a qualidade da educação que está sendo oferecida quanto a necessidade atual devido à pandemia […] Os alunos estão em contextos diferentes […] muitos pediram para aulas não serem síncronas para que eles pudessem acompanhar […] A gente pode reutilizar material disponível e bom, com curadoria, e os alunos podem acessar… de acordo com sua disponibilidade. Nós temos que ter essa consciência de pensar tanto no contexto do aluno quanto no contexto do professor.

Seiji Isotani – professor da disciplina de Engenharia de Software do ICMC-USP São Carlos

 

Nossa readaptação está sendo muito rápida […] Estou gravando podcasts, estou fazendo encontros com os alunos pelo Google Meet […] Estou sempre conversando com os alunos para a gente aprimorar as formas desse ensino emergencial remoto. Eles pedem que os encontros sejam gravados porque nem todos conseguem ter regularidade […] e o podcast é um formato viável por ser mais leve e eles podem escutar a qualquer hora […] Um fator positivo desse momento é a produção de conteúdo, que está sendo feito pela Universidade e que está circulando pela internet. Estamos debatendo sobre essa geração de conteúdos e estamos pensando em fazer um blog […] pensando nesses novos formatos, nessas novas possibilidades das novas mídias.

Sarah Azevedo – professora da disciplina de História Antiga na FFLCH-USP

 

Não tenho ressalvas quanto à dinâmica das aulas, o momento é difícil e exige empenho e dedicação de ambas as partes […] Nada se equipara a ter uma biblioteca como espaço para estudo e um acesso à internet da Universidade, infelizmente eu tive muito problema com acesso à internet, o que me limitou muito durante todo o semestre […] mas eu me considero privilegiado por ter um quarto para estudar […] Quero apontar também a questão da saúde mental, tenho conversado com alguns amigos e tenho notado essa questão principalmente nos ingressantes […] fica meu recado […] não se sinta pressionado por reprovações, o momento é difícil […] priorize sua saúde mental.

Miquéias di Camélia – segundo ano da graduação em Ciências Atuariais na FEA-USP

 

A Pró-Reitoria de Graduação, com a interrupção das atividades didáticas presenciais em março deste ano […] estimulou docentes e estudantes a desenvolverem atividades didáticas não presenciais de maneira remota utilizando tecnologias de informação e comunicação […] divulgou o guia de como elaborar atividades didáticas de graduação on-line […] promoveu o uso da plataforma e-Disciplinas […] a plataforma e-Aulas […] e a plataforma Google […] com tutorial de como elaborar aulas pelo Google Meet […] Das quase 6 mil disciplinas, que seriam oferecidas presencialmente no primeiro semestre, em todas as áreas de conhecimento, 92% foram ministradas on-line […] No segundo semestre letivo de 2020 as atividades didáticas serão feitas de maneira não presencial utilizando esse portfólio de tecnologia.

Edmund Chada Baracat – pró-reitor de Graduação da USP

 

Percebemos que as ferramentas de trabalho virtual foram facilitadoras da discussão dos exercícios que estavam sendo propostos naquele período inicial […] O diálogo com os alunos foi muito produtivo […] eles apresentavam as suas questões e todos os demais acompanhavam […] No entanto, temos na disciplina alguns exercícios que requerem a leitura do espaço urbano que se dá através de visitas a campo, de levantamento da forma como a cidade é construída […] e isso fica muito prejudicado […] Temos reuniões marcadas entre os docentes para discutir como poderíamos propor exercícios que tocassem nos temas da cidade… respeitando as recomendações de isolamento.

Ana Claudia Castilho Barone – professora da disciplina de Fundamentos de Projeto da FAU-USP

 

Nós acreditávamos na suspensão do semestre letivo já que o ensino a distância é uma prática que vai contra os nossos princípios de uma educação gratuita, acessível e de qualidade a todos […] Apesar de ter estrutura técnica para seguir com as aulas, venho tendo muitas dificuldades para me adaptar com alguns métodos escolhidos e também de uma forma geral […] nessa mudança […] O curso de Pedagogia conta com uma quantidade significativa de estágios […] para ter uma vivência dentro de uma sala de aula […] os alunos que tiverem essa experiência de estágio dentro das plataformas on-line vão ter uma realidade bem diferente de quando chegarem diante de uma sala de aula presencial. Acredito que a experiência do estágio obrigatório vai ter uma perda muito significativa.

Roger de Lima – aluno do segundo ano de Pedagogia FE-USP

 

Com a chegada da pandemia […] optamos por seguir com a primeira parte do curso fazendo a transposição para o formato on-line […] Para garantir a aproximação e o diálogo produtivo dividimos as meninas em pequenos grupos de cinco e cada grupo recebeu a orientação de uma estudante de graduação ou pós que chamamos de fadas madrinhas […] Todos os grupos eram desafiados a apresentar um painel em um mural digital […] elas eram estimuladas a comentar o trabalho dos outros grupos, a intenção era que elas tivessem noção do todo, como se fosse um grande auditório […] Esse formato agradou muito todos os envolvidos, incluindo pais e professores que acompanharam as meninas durante o processo […] A ferramenta do Whatsapp com a estratégia de desafios diários fomentou uma conversa contínua e muito mais próxima com as meninas do que teríamos no encontro presencial uma vez por semana […] O Astrominas em suas próximas edições seguirá nesse formato, os benefícios superaram de longe todos os custos e limitações que tivemos.

Elysandra Cypriano – professora do departamento de Astronomia e coordenadora do curso Astrominas no IAG-USP

 

Eu já trabalhava no Moodle, disponibilizando material, tinha algumas atividades como quiz e tarefas que os alunos já usavam na plataforma, mas precisei fazer adaptações […] As principais mudanças foram em termos do volume do conteúdo das aulas teóricas para tentar focar naquilo que é mais essencial […] Eu tinha ideia que as aulas precisavam ter uma qualidade em termos de aparência visual […] Por ter sido aluna de cursos a distância, eu entendi a importância de ter os fóruns abertos, os canais de comunicação […] Fiz a opção de gravar as aulas e disponibilizar offline […] porque vários dos meus alunos tinham limitações nas suas casas […] A minha maior preocupação foi ser bastante cuidadosa para que eu não sobrecarregasse os estudantes com mais volume de trabalho.

Anamaria Siriani de Oliveira – professora do curso de Fisioterapia na FMRP- USP Ribeirão Preto

Clique aqui e confira os depoimentos completos.

Por David Ferrari, Karina Tarasiuk e Thais H. Santos – Jornal da USP

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