Manifestação da Congregação do IAU em repúdio ao Projeto de Lei Nº 529/2020

A Congregação do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da Universidade de São Paulo vem a público manifestar seu repúdio ao Projeto de Lei 529/2020 enviado pelo governador João Doria à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, no dia 13 de agosto.

As medidas propostas pelo governo de São Paulo incitam a perguntar o que foi feito do elogio à ciência do governo paulista, utilizado como contraponto às posições do Governo Brasileiro no combate à pandemia da COVID-19? O que teria levado à transformação do elogio à ciência em vigoroso ataque à continuidade da pesquisa científica, o que teria conduzido o elogio permanente ao que se entende como ciência a ser utilizado como arma num jogo concorrencial de oposição política circunstancial entre o Governador João Dória e o Presidente J. M. Bolsonaro?

A verdade é que foi a dinâmica dessa concorrência que levou a esse elogio pontual “à ciência” sem que os processos e mecanismos que produzem o conhecimento fossem considerados ou respeitados. Elogiava-se de modo pontual e circunscrito a ciência dentro de uma dinâmica instrumental, restrita a um jogo de poder que opôs episodicamente uma posição política de procedimentos mais previsíveis dentro do jogo eleitoral e governamental à nova postura radicalmente autoritária, fortemente miliciarizada que tomou conta do poder central do país. Como indicam os processos em curso, tanto o projeto de Governo do Estado de São Paulo, com seu extenso programa de privatizações, quanto as propostas e medidas do Governo Federal, marcadas por um desrespeito flagrante aos resultados, instituições e procedimentos de pesquisa, obedecem a uma mesma racionalidade. Essa racionalidade atravessa as proposições que presidem o Projeto de Lei 529/2020, enviado em 13 de agosto à Assembleia Legislativa, que se debruça supostamente sobre o ajuste das contas do Estado, impactadas pela pandemia e por um projeto continuamente reposto de austeridade, também conhecido como austericídio.

Assim, o PL529 representa um ato político desastroso para o Estado de São Paulo que deixará de oferecer um conjunto de serviços imprescindíveis à sociedade em função da extinção das várias instituições. Sua eventual aprovação eliminará de uma só vez uma estrutura construída em quase um século e que garantiu proeminência social, cultural e operacional e capacitação técnica e administrativa à gestão pública paulista. Esse projeto, enviado à ALESP pelo Governador João Doria, que solicitou regime de urgência em sua votação, tem uma extensão incomum, já que extingue de uma só vez 10 empresas e fundações públicas (entre as quais CDHU, EMTU entre outras). Se o mesmo procedimento for adotado quando da extinção da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S.A. – EMPLASA (em 2019), as áreas de atuação dessas empresas não conhecerão nenhuma continuidade ou substituição de atribuição por outros órgãos. Trata-se assim da proposta de extinção pura e simplesmente tanto das entidades como de seus serviços. O projeto se estende e ainda atinge em cheio as universidades estaduais paulistas – responsáveis dentro do quadro brasileiro de ciência e tecnologia, por parte substantiva da pesquisa e da produção de conhecimento no Estado de São Paulo e no país – além da Fundação de Amparo à Pesquisa (FAPESP) responsável direta pelo financiamento à pesquisa no âmbito de seu polo paulista. Esses cortes na forma de confisco do que seria incorretamente identificado como recursos não utilizados, ou “superávit financeiro”, coincidem com os ajustes orçamentários que promoveram o encolhimento e sucateamento dos órgãos nacionais de fomento à pesquisa ( CAPES e CNPq).

A suposição de superávit financeiro diz respeito a reservas necessárias para a gestão da pesquisa e dos gastos com a educação que não obedecem, assim como a pandemia da COVID 19, ao calendário fiscal oficial.

São recursos necessários inclusive para a continuidade de pesquisas estreitamente relacionadas ao controle e ao combate da crise sanitária que tem na atividade da comunidade universitária uma ancoragem e um desenvolvimento centrais.

Além de um ataque à produção do conhecimento científico, enaltecido anteriormente de modo instrumental e midiático, o Governo do Estado de São Paulo oferece aos funcionários públicos – reiteradamente culpabilizados pelo desequilíbrio fiscal, sistematicamente cassados como parte de um projeto de reordenamento político e econômico – um aumento das contribuições previdenciárias e um Plano de Demissão Incentivada.

Assim, se fosse possível acreditar no elogio à ciência, seria necessário deduzir que a proposição desconhece os procedimentos e esforços de pesquisa como práticas cotidianas de trabalho de comunidades científicas viabilizadas e congregadas pelas universidades e financiadas pela FAPESP. A par de um suposto desconhecimento, em si mesmo grave e significativo para o Governo de um Estado que é um centro da economia do país, ficou claro que um mesmo projeto de desmontagem e sucateamento perpassa as medidas propostas pelo governo federal assim como as proposições do Governo estadual, desfazendo as rixas que envolviam a aposta espetacularizada na ciência, na produção do conhecimento.

Uma mesma racionalidade econômica e política brutal atravessa as duas posições – a estadual e a federal: a proposição contínua e permanente não apenas de desmontagem e privatização, mas de reordenamento econômico e político sob a égide transversal da hegemonia dos capitais privados, sob a forma de transformação e aprisionamento do Estado, ele mesmo continuamente tomado pela dinâmica de uma gestão gerencial imersa na lógica concorrencial de mercado. Aplicada ao ensino superior, essa lógica se desenha de forma avessa à universidade pública, gratuita, inclusiva e de excelência ancorada na dinâmica conjunta de ensino, pesquisa e extensão. Mais uma vez os funcionários públicos, inclusive aqueles das empresas declaradas em extinção, assim como os professores dedicados ao ensino, pesquisa e extensão, bem como, os servidores técnico-administrativos têm pela frente uma luta pela preservação das entidades de pesquisa, das empresas públicas, das universidades estaduais, de preservação de um horizonte de defesa dos interesses públicos, ancorados na ideia e nas práticas do bem comum.

São Carlos, 02 de Setembro de 2020

Por IAU

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