Nem tudo que reluz é ouro: o alto impacto ambiental dos edifícios corporativos

Estudo no IAU faz estudo comparativo entre edifícios com fachadas envidraçadas e tradicionais

Por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento”. O famoso ditado popular encaixa-se quase que perfeitamente aos edifícios corporativos envidraçados que vemos com frequência em metrópoles, como São Paulo e Rio de Janeiro, e mesmo em cidades de menor porte, como São Carlos.

Esses edifícios, que normalmente são construídos para abrigar escritórios de grandes empresas, têm altíssimo impacto ambiental antes e durante o seu uso. Foi isso que descobriu Rosilene Regolão Brugnera em sua pesquisa de doutorado realizada no Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU/USP) sob a orientação da docente do IAU, Karin Maria S. Chvatal*. “Esses edifícios normalmente têm plantas maiores que 900m², sem paredes internas, chamados de edifícios de planta livre, do inglês open plan offices, com janelas totalmente seladas e sistemas de condicionamento artificial funcionando em todo o período de ocupação do edifício. Analisamos suas fachadas e como suas características influenciam no consumo de energia, nos impactos ambientais** e no custo. A ideia do projeto foi trabalhar essas três variáveis de forma integrada ao longo de toda a vida útil do edifício”, explica Rosilene.

“Rosilene fez uma avaliação do ciclo de vida (ACV) dessas construções e, para isso, parte de seu doutorado foi feita na Universidade do Minho [Portugal], sob orientação do pesquisador Ricardo Mateus***, especialista em análise do ciclo de vida para construção civil”, complementa Karin.

Rosilene fez um estudo comparativo entre dois modelos de fachadas: fachada cortina (totalmente envidraçada) e a tradicional (parede em alvenaria e esquadria com vidro). Em sua análise, ela considerou os materiais utilizados, o tamanho da janela, o tipo de vidro utilizado, ausência ou presença de dispositivo de sombreamento, e como a combinação de tais características influenciou o consumo de energia do edifício, avaliado para três climas brasileiros, totalizando uma análise com 144 cenários diferentes. E, ainda em relação ao clima, três cidades foram analisadas: São Paulo (clima médio), Manaus (clima quente) e Curitiba (clima frio).

Em relação ao consumo de energia durante o uso ao longo de 60 anos de vida útil do edifício, alguns itens fazem toda a diferença, como a inserção de sombreamento na fachada. “Foi verificado que contribuem para o aumento do consumo de energia usar a fachada cortina, em vez da tradicional, não utilizar sombreamento, utilizar vidro incolor em vez das outras opções, e aumentar a área de janela. Também foi observado que no clima de Manaus, onde é muito mais quente, o impacto de medidas para reduzir o consumo de energia é menor”, explica Karin. “Ou seja, são diversas as variáveis que influenciarão no consumo de energia. Mas, na realidade, é o equilíbrio entre todas essas variáveis que realmente fará a diferença”.

Ainda de acordo com a docente, na fase de pré-uso, o alumínio foi o material que apresentou o maior impacto ambiental, mas como a fase de uso tem maiores impactos, visto que considera 60 anos de vida útil do edifício, ela é que contribui mais como o impacto. “Verificamos que, no Brasil, os resultados são similares aos resultados encontrados em outros países”, elucida Karin.

Resumo dos resultados obtidos na pesquisa (créditos: Rosilene Brugnera)

O grande vilão

Mas, mesmo que diversos elementos colaborem para tornar esses edifícios grande inimigos do meio ambiente, o maior responsável por isso ainda continua sendo seu principal material: o vidro. “Quando também consideramos o custo, as soluções que já apresentavam maior impacto ambiental também são as mais caras. Inclusive, gerando uma diferença muito clara entre a fachada tradicional e a fachada cortina”, explica Karin.

Na análise de Rosilene, edifícios totalmente envidraçados chegam a consumir cerca de 25% a mais de energia do que aqueles com as fachadas tradicionais. “Nos Estados Unidos, esses edifícios são muito comuns, e o Brasil adotou como modelo esse estilo internacional de arquitetura. E os edifícios corporativos normalmente são desse estilo, bem fechados e, por isso, não utilizam ventilação natural”, elucida a docente.

Mas por que então os grandes edifícios corporativos ainda optam por esse tipo de fachada “antiecológica”? A razão também é desconhecida pelas duas pesquisadoras, mas especulação mobiliária é um dos palpites. “Pensamos que seja necessário buscar outras alternativas de construção e de projeto arquitetônico que explorem diferentes possibilidades para esse tipo de edifício”.

E diante da análise e dos dados coletados por Rosilene, parece que outro ditado se encaixa perfeitamente aos pomposos edifícios: nem tudo que reluz é ouro.

*e co-orientação do docente da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA/USP), João Adriano Rossignolo

** as pesquisadoras fizeram a análise do chamado “impacto de potencial de aquecimento global”

*** http://ctac.uminho.pt/users/ricardomateus 

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