O amor é…(também) Química!

O amor imaturo diz: “Eu te amo porque preciso de você.” 

O amor maduro diz: “Preciso de você porque te amo”.

Erich Fromm

 

É muito comum ouvirmos dizer : “Há uma química entre a gente…” Será que sim ? Ou não? Eis a questão… Se estivermos a falar de relações amorosas podemos responder a essa pergunta com um SIM!

A ciência parece ser complicada. Algumas vezes é. Mas quando o amor entre duas pessoas está envolvido, a ciência parece ficar mais fácil e afável! Trata-se, todavia, de um campo científico vasto e extremamente complexo que se integra na área das neurociências, ou seja, a área que estuda os mecanismos do sistema nervoso do qual ainda sabemos muito pouco.

Foto: Pixabay

Quando se fala do amor é comum associá-lo ao coração mas, na verdade, o seu início está diretamente relacionado com o nosso cérebro e respectivo sistema neuronal.

Os neurônios, que são as células especializadas em receber, propagar e transmitir impulsos eletroquímicos existem no cérebro humano em número maior de cem bilhões. Por conseguinte, uma questão fundamental pode ser formulada: como as entradas sensoriais são processadas nos circuitos neuronais do cérebro? Para responder, é importante entender que os neurônios estão conectados por meio de sinapses e assim se comunicam. Essa comunicação química é feita via macromoléculas, os chamados receptores que desempenham um papel capital nesse processo. Esses receptores são proteínas de membrana localizadas nas sinapses que recebem sinais químicos (pequenas moléculas) de outras células. Assim, quando falamos nestas moléculas, precisamos falar em química orgânica. A química entende de moléculas. Dessarte, não tenha medo da química orgânica. É através dela que o amor entre duas pessoas se inicia, se desenvolve e se mantém..

No enamoramento e na paixão podemos encontrar vários estágios, nomeadamente atração, o romance, o “estar apaixonado”, seguido de um período de amor mais “seguro e tranquilo”. Durante essas etapas, para além dos hormônios associados à definição do sexo, existe um arsenal químico variado a nível cerebral constituído por pequenas moléculas, os neurotransmissores.

Comecemos pelos hormônios… Assim, os hormônios sexuais que caracterizam o sexo masculino e feminino têm natureza química esteroídica:

Estradiol

O estradiol, esteroide representado na figura, pertence ao grupo dos estrogênios, ou seja, uma categoria de hormônios sexuais responsável pelo desenvolvimento e regulação do sistemareprodutor feminino e características sexuais secundárias (como os seios). O estradiol é o principal hormônio sexual feminino em humanos.

Testosterona

A testosterona é um hormônio caracteristicamente masculino, pertencente ao grupo dos androgênios, responsável pelo aparecimento das características secundárias masculinas (desenvolvimento testicular, muscular e a barba). Observe que a testosterona é uma ciclopenta[a]fenantre‐7‐ona enquanto o estradiol é ciclopenta[a]fenantre‐7‐ol!

Embora o estradiol e a testosterona sejam frequentemente estereotipados como sendo “femininos” e “masculinos”, respectivamente, ambos coexistem em homens e mulheres, evidentemente em percentagens muito diversas.

Mas estas moléculas não estão apenas associadas aos aspetos referidos, elas interagem de várias formas em outros “caminhos químicos” relacionados com as diversas fases do amor, como veremos mais adiante.

Relativamente às pequenas moléculas cerebrais, designadas de neurotransmissores, quimicamente caracterizam-se por conter grupos amina e algumas também catecol. Elas são responsáveis por várias reações que sentimos nessas diversas fases:

Beta-feniletilamina

 

A beta-feniletilamina: Conhecida como o “gatilho químico” da paixão, acelera o fluxo de informação entre neurônios; é das primeiras a aparecer no chamado amor à primeira vista!

 

 

Adrenalina e nor-adrenalina

Adrenalina e nor-adrenalina: Juntamente com a dopamina e a norepinefrina produzem uma sensação de “tontos”, enérgicos e eufóricos. É possível que haja diminuição do apetite e apareça insônia, que não se consiga comer ou dormir, o que significa estar realmente “apaixonado”!

Dopamina

 

Dopamina: É produzida pelo hipotálamo e liberada quando fazemos coisas que nos fazem sentir bem. É a recompensa do cérebro ao bem estar. Passar tempo de boa qualidade com seus entes queridos e fazer sexo são exemplos dessa recompensa.

 

 

Serotonina

Serotonina: Embora seja uma molécula conhecida por estar envolvida no apetite e no humor, acredita-se estar subjacente à paixão avassaladora que caracteriza os estágios iniciais do amor, associados a pensamentos obsessivos e ao “sonhar acordado”.

Esta fase do romance e da paixão, em que todo o nosso cérebro está debaixo de uma “tempestade química”, não poderia ser demasiado prolongada na medida em que corresponde a um estado de alta excitação, daí o dizer-se que a paixão tem “prazo de validade…

Segue-se, então, a fase do “amor verdadeiro”, de uma ligação mais “tranquila”, em que a natureza química das moléculas intervenientes a nível cerebral é diferente; são de natureza peptídica, sendo assim constituídas por aminoácidos diversos.

Oxitocina

A oxitocina é um hormônio peptídico, um neuropeptídeo, normalmente produzido no hipotálamo. É conhecido como o “hormônio do carinho”. Juntamente com a dopamina, é liberado em grandes quantidades durante o sexo, o parto e a amamentação.

(Sequência de aminoácidos, Cys•Tyr•IIe•Gln•Asn•Cys•Pro•Leu•Gly•NH2. Legenda: Tyr = tirosina, Cys = cisteína, Pro = prolina, Leu = leucina, Gly = glicina, Asn = asparagina, Gln = glutamina, Ile = isoleucina)

Vasopressina

Vasopressina: É um hormônio sintetizado a partir do gene AVP como pró-hormônio peptídeo em neurônios do hipotálamo que é então convertido em vasopressina. A vasopressina pode ser liberada diretamente no cérebro a partir do hipotálamo e pode desempenhar um papel importante no comportamento social, motivação sexual e união de pares, bem como respostas maternas   ao   estresse.

(Sequência   de   aminoácidos,   Cys•Tyr•Phe•Gln•Asn•Cys•Pro•Arg•Gly•NH2. Legenda: Tyr = tirosina, Cys = cisteína, Pro = prolina, Arg = arginina, Gly = glicina, Asn = asparagina, Gln= glutamina, Phe = fenilalanina)

Ainda de natureza peptíca, temos de referir às endorfinas produzidas também no hipotálamo, das quais a molécula indicada é um exemplo, e que estão associadas aos sentimentos de calma, intimidade e tranquilidade – a fase do amor mais estável.

Mas não nos iludamos com a “simplicidade” química de algumas moléculas… porque tudo “funciona em rede”!

Há uma interligação entre os hormônios esteroides e as moléculas cerebrais. Assim, por exemplo, os níveis de estrogênio e testosterona condicionam a produção de oxitocina e vice-versa. A testosterona é um afrodisíaco para ambos os sexos, provavelmente induzindo o aumento de liberação de dopamina.

Mas não podemos esquecer outras pequenas moléculas que, não sendo produzidas a nível cerebral, desempenham um papel muito importante, por exemplo, na comunicação química entre os sexos, como os ácidos graxos, incluindo os responsáveis pelo “cheiro a suor” … Homens e mulheres têm odores corporais diferentes (sendo o primeiro de natureza almiscarada e o segundo adocicado) porque o seu microbioma tem bactérias – como as que são responsáveis por hidrolisar ésteres que dão origem a esses ácidos graxos – de natureza e em proporções diversas conforme o gênero.

Não esquecer também os designados feromônios, substâncias segregadas por um indivíduo de uma dada espécie e que permitem a comunicação com outro indivíduo dessa mesma espécie, mesmo não tendo odor. Existe muita discussão sobre este assunto, mas estudos têm revelado que algumas substâncias podem corresponder a feromônios putativos. Assim:

O estratetraenol, com um fragmento molecular semelhante ao estradiol, o hormônio feminino por excelência, provoca atração no sexo masculino.

Contrariamente, a androstenodiona, com um fragmento molecular semelhante à testosterona, o hormônio masculino, exerce um efeito atrator em mulheres.

Este é um breve ensaio de algumas moléculas que nos fazem felizes no amor. Mas, o amor pode machucar. Assim, algumas dessas moléculas podem estar associadas a situações de ciúme, comportamento errático e irracionalidade, junto com uma série de outras emoções e comportamentos nada positivos.

Recentemente, a química medicinal tem tido como alvo produzir love drugs e anti love drugs, no sentido de modular estados emocionais e comportamentos associados à “falta de amor” ou ao “amor exacerbado”. Se por um lado o desenvolvimento de tais fármacos pode trazer alguns benefícios, os aspectos éticos associados à sua administração é alvo de grande controvérsia. Mas, sem dúvida, esta matéria abre largas avenidas na área da química do amor…

Depois de “tanta” química associada ao amor, poderíamos ser tentados a reproduzir os sentimentos relacionados ao amor com base na química de laboratório, mas não aconselhamos isso… mas que no AMOR há QUÍMICA, lá isso há!!!!!

Contudo, no dia dos namorados, os grandes atores devem ser aqueles que se amam!

Carlos Montanari
Grupo de Química Medicinal e Biológica
Instituto de Química de São Carlos – USP
carlos.montanari@usp.br

Madalena M. M. Pinto
Laboratório de Química Orgânica e Farmacêutica,
Departamento de Ciências Químicas,
Faculdade de Farmácia e Centro Interdisciplinar de
Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR)
Universidade do Porto, Portugal
madalenakijjoa@gmail.com

Referências

  1. Madalena M. M. Pinto. “Química do Amor e do Sexo”. LIDEL, 2010. ISBN: 978-972-757-648-7
  2. Donatella Marazziti, Domenico. “Hormonal   changes   when   falling   in   love”. Psychoneuroendocrinology, 2004, 29, 931–936
  3. Zoe R. Donaldson, Larry J. Young. “Oxytocin, Vasopressin, and the Neurogenetics of Sociality”. Science 2008, 322, 900-904
  4. Thomas R. Insel, Larry J. Young. “The neurobiology of attachment”. NATURE REVIEWS | NEUROSCIENCE 2001, 2, 129-136
  5. David J Handelsman, Angelica L Hirschberg, Stephane Bermon. “Circulating Testosterone as the Hormonal Basis of Sex Differences in Athletic Performance”. Endocr Rev. 2018, 39, 803–829
  6. Katarzyna Pisanski et al. “Romantic Love and Reproductive Hormones in Women”. Int. J. Environ. Res. Public Health 2019, 16, 4224. 1-9
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  9. Ivanka Savic1, Hans Berglund, “Androstenol – a Steroid Derived Odor Activates the Hypothalamus in Women”, PLoS ONE 2010, 5(2), e8651
  10. Perrotta, V., Graffeo, M. , Bonini, N., Gottfried, J.A. “The putative chemosignal androstadienone makes women more generous”, Journal of Neuroscience, Psychology, and Economics, 2016, 9(2), 89-99

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