Pesquisadora brasileira conquista prêmio “Emmy Noether – 2019”

A Sociedade Europeia de Física (EPS) – European Physical Society – atribuiu no final do ano passado o prêmio dedicado a Mulheres em Física“EPS Emmy Noether-2019”, à Profª Cristiane Morais Smith, docente e pesquisadora do Instituto de Física Teórica da Universidade de Utrecht, na Holanda, “Por suas contribuições destacadas à teoria dos sistemas de matéria condensada e átomos ultrafrios para a revelação de novos estados quânticos da matéria”.

A pesquisadora brasileira lidera um grupo de pesquisa em sistemas correlacionados no Instituto de Física Teórica da Universidade de Utrecht, trabalhando em sistemas de baixa dimensão, variando seu espectro entre matéria condensada e átomos frios. Seu grupo foi pioneiro no desenvolvimento de uma descrição termodinâmica de isolantes e supercondutores topológicos, bem como o uso de uma formulação de eletrodinâmica quântica projetada para investigar fases topológicas impulsionadas por interações. Nos últimos anos, seu grupo tem desempenhado um papel importante no desenvolvimento de simuladores quânticos eletrônicos e metamateriais, em colaboração com experimentalistas em Utrecht. O anúncio oficial do prêmio foi dado precisamente quando a pesquisadora trabalhava no IFSC/USP, em dezembro do ano passado, atendendo ao fato de ser professora visitante em nossa Unidade, no Grupo de Óptica.

Comunicativa e simpática, Cristiane Morais Smith falou com a Assessoria de Comunicação do IFSC/USP para contar um pouco de sua vida acadêmica e científica, com alguns pormenores pessoais. Ela é um verdadeiro exemplo e estímulo para os jovens estudantes brasileiros.

Universidade de Utrecht

Nascida em 1964, na cidade de Paraguaçu Paulista (SP), Cristiane recorda que só havia uma escola pública de ensino médio em sua cidade, o que não a impediu de, com entusiasmo e vontade, prosseguir seus estudos – bacharelado e mestrado – na UNICAMP, tendo tido como um de seus mestres o Prof. Amir Caldeira. “Iniciei meu doutorado igualmente na UNICAMP e de repente surgiu a oportunidade de ter uma posição permanente na UNESP de Bauru. Fiquei dois anos e meio viajando direto para dar aulas em Baurú e prosseguir meu doutorado em Campinas, o que de alguma forma prejudicou meus estudos: o doutorado não avançava. Tudo isto aconteceu entre os anos 1989 e 1991”, relata Cristiane. Contudo, em determinado momento, Amir Caldeira viajou para a Suíça, a trabalho, e descobriu que tinha um professor na Escola Politécnica de Zurique que estava trabalhando exatamente na mesma área e com o mesmo título da tese de doutorado que a pesquisadora estava escrevendo. Assim, a constatação foi que de duas hipóteses ela tinha que escolher uma: ou mudar de tópico, o que equivalia a começar tudo de novo, ou se juntar à equipe desse professor suíço, já que não havia qualquer chance de competir com ele. Cristiane pediu demissão da UNESP de Baurú, vendeu o carro, fez as malas e viajou para a Suíça para tentar seu doutorado lá. “Para poder ser aceita na Politécnica de Zurique, para fazer doutorado, primeiro você tem que dar um seminário para todos os professores. Após isso, eles se reúnem e decidem se você é admitida, ou não: fui admitida, consegui uma bolsa de estudos e em 1992 iniciei meu doutorado, que terminou dois anos e meio depois, tendo ainda ficado como pós-doc”, recorda Cristiane.

O mundo da ciência se abriu

Foi a partir desse momento que o mundo da ciência se abriu completamente para a pesquisadora brasileira. Um convite da Universidade de Hamburgo (norte da Alemanha) propiciou a Cristiane uma livre docência, a constituição de seu próprio grupo de pesquisa e a orientação de alunos, tendo sido a primeira mulher não professora a ser membro de um “Graduate College”. “Iniciei uma área completamente diferente de tudo quanto tinha feito no doutorado”, pontua Cristiane. Uma nova oferta de trabalho em Friburgo, na Suíça, para um cargo melhor, proporcionou que Cristiane Morais Smith desenvolvesse um projeto grandioso no âmbito de uma competição nacional de Física, desafio que a pesquisadora venceu, tendo conquistado não só o título de professora associada, como também um prêmio pecuniário de um milhão de francos suíços, verba essa que foi investida em seu novo grupo de pesquisa por um período de quatro anos. “É óbvio que nesse meio tempo eu teria que tentar conquistar uma posição permanente. Aí, em 2004 soube da existência de duas posições na Holanda, em duas universidades diferentes; apliquei e consegui uma cátedra em Física da Matéria Condensada, tendo escolhido a Universidade de Utrecht, considerada a melhor da Holanda. Faz quinze anos que estou lá”, enfatiza Cristiane, sorrindo.

Quem é Cristiane Morais Smith

Profundamente dedicada ao trabalho, Cristiane Morais Smith confessa o quanto seu marido a tem apoiado em sua jornada científica e acadêmica. “Trabalho bastante, mas tenho uma sorte enorme de ter um marido super compreensivo. Ele é suíço e nos conhecemos exatamente na Suíça, quando eu tive a oferta de ir para a Holanda. Viajou comigo, tentou se estabelecer lá, mas não deu certo. Atualmente, ele viaja semanalmente da Holanda para a Suíça e vice-versa para estar comigo, para me dar apoio. Então, metade da semana ele não está comigo e por isso eu não tenho hora para parar de trabalhar. Não tive filhos (não posso ter), mas aceitei sem problemas esse fato e sempre pensei: ‘já tenho minha carreira, já tenho tanta coisa boa na vida, por isso não vou me fixar naquilo que não tenho ou que não posso ter’. Afinal, esse problema até facilitou de alguma forma minha vida profissional”, argumenta Cristiane, com um semblante bem expressivo.

Emmy Noether

Como professora visitante no IFSC/USP, Cristiane Morais Smith tem um projeto CAPES em parceria com a NUFFIC (o equivalente à CAPES, na Holanda), envolvendo a USP de São Carlos e as Universidades Federais do Rio Grande do Norte (UFRN) e Pará (UFPA), o que faz com que ela tenha que viajar com alguma frequência para o Brasil. “Visitei o IFSC/USP em março e agora em Dezembro; voltarei em maio de 2020 para participar no Encontro da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e em dezembro retornarei a Natal, já que estou organizando um evento”, elucida a pesquisadora.

Conquistando prêmios

Em 2008, Cristiane Smith conquistou um prêmio na Holanda, no valor de um milhão e meio de euros, bem como o prêmio de professor visitante especial “Ciência sem Fronteiras” do governo brasileiro (2013), o HEFE (High-End Especialista estrangeiro), do governo chinês em 2014 e 2015, o “Prêmio Dresselhaus”, na Alemanha, em 2016, e ano passado o prêmio “EPS Emmy Noether-2019”. Sobre seu mais recente prêmio, Cristiane sublinha que “foi uma sensação maravilhosa ter conquistado este prêmio, pois ele carrega o nome de Emmy Noether (1882-1935), que foi uma matemática alemã, conhecida pelas suas contribuições de fundamental importância nos campos da física teórica e álgebra abstrata, tendo sido considerada por Albert Einstein, dentre outros, como a mulher mais importante na história da matemática, sem nunca ter sido professora”.

A ciência brasileira e os sonhos

Em relação à ciência brasileira, a pesquisadora afirma que melhorou muito desde o período em que ela própria começou sua carreira. “Eu vejo o Brasil crescendo. Claro que sou uma otimista por natureza, mas o que vejo aqui são cientistas fantásticos, brilhantes, criativos. Mas, existe a necessidade de aprender a administrar a forma como se faz ciência no país e de uma forma mais efetiva. Existe a necessidade de se ser mais crítico, de questionar mais e também de acreditar mais. Eu era cheia de complexos e sempre olhei para mim mesma como se não soubesse nada. O cientista brasileiro tem muito disso e, na verdade, ele sabe muito”.

Quanto a sonhos para o futuro, a cientista brasileira é objetiva. “Acho que nunca tive um sonho preciso. Acho que meu sonho se resume ao meu próprio trabalho, à paixão que não termina, à ânsia de entender, de descobrir, de contagiar os alunos e de vê-los crescer juntos: é o percurso, a forma de percorrer. Eu não consigo focar que existe algo que eu quero obter, nunca pensei ‘quero ganhar tal prêmio’, pois ele será sempre uma consequência e nunca um objetivo. O objetivo é o conhecimento, poder entender cada vez mais e poder levar um monte de gente junto”, conclui Cristiane Morais Smith.

Para conferir o anúncio do Prêmio EPS Emmy Noether-2019, clique AQUI.

Por Rui Sintra – Assessoria de Comunicação do IFSC

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