Potencial de técnicas não destrutivas para medir o teor de óleo em fruto exótico da Amazônia pode fortalecer a bioeconomia regional

A constatação pioneira de pesquisadores brasileiros de que as técnicas de ressonância magnética nuclear (RM) e infravermelho próximo (NIR) são capazes de quantificar, caracterizar e classificar o teor de óleo em farinha de pupunha abre novas perspectivas para os frutos desta palmeira, nativa da floresta amazônica. O uso de RM e NIR pode agilizar o processamento industrial da farinha para uso na panificação e confeitaria, fortalecer a economia regional e expandir o mercado nacionalmente.

A pupunha é um fruto versátil, popularmente mais conhecida e consumida na região Norte do país. A farinha extraída do fruto pode ser usada no preparo de bolos, bolachas, biscoitinho, tortas, entre outros. Medir o teor de óleo do fruto, de forma limpa, é uma alternativa aos métodos convencionais, que são demorados, trabalhosos e usam reagentes químicos.

Realizado por pesquisadores da Embrapa Instrumentação (São Carlos – SP), Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Ariquemes (RO), Instituto de Química de São Carlos (IQSC/USP) e Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Curitiba (PR), o estudo ainda detectou uma grande variabilidade no teor e na qualidade do óleo da farinha de pupunha.

Os resultados apontaram três níveis distintos – alto, médio e baixo, além de uma relação entre a quantidade de óleo das amostras e o teor de ácidos graxos saturados e insaturados. Níveis baixos de óleo apresentaram maior teor de ácidos graxos saturados, enquanto amostras com maior quantidade de óleo apontaram maior teor de insaturados.

Aplicação industrial

O estudo foi conduzido pelo engenheiro de alimentos, Yves José de Souza Santos, durante o trabalho de iniciação científica realizado na Universidade Federal de Rondônia e na Embrapa Instrumentação.  Na Unir, o estudante foi orientado pela professora Gabrieli Oliveira Folador, e coorientado na Embrapa Instrumentação pelo pesquisador Luiz Alberto Colnago no âmbito do Laboratório Nacional de Agrofotônica (Lanaf).

Com o trabalho, Yves Santos esperava obter dados da composição física e química do teor de óleo da farinha de pupunha para utilizá-la na fabricação de bolachas. O estudo sobre o fruto teve prosseguimento no mestrado e continua atualmente no doutorado com o apoio de pesquisadores da fase inicial, além de outros, inclusive de instituições francesas, que orientaram e orientam o estudante.

Para a professora Gabrieli, o estudo abriu portas tanto para o avanço da pesquisa na região Norte, para divulgação na comunidade científica e industrial, sobre a riqueza dos frutos nativos da região amazônica, como oportunizou ao aluno, na época de graduação, uma grande descoberta do mundo científico.

 “Somos imensamente gratos à Embrapa Instrumentação, que nos recebeu e colaborou para o desenvolvimento desta pesquisa. A região Norte é riquíssima em matérias-primas nativas, mas, ainda pouco conhecidas. Pesquisas como esta podem trazer benefícios para desenvolvimento da região e país”.

Para Colnago, industrialmente, essas metodologias não invasivas, rápidas, limpas e precisas, como a RMN e NIR, consideradas inovadoras, representam maior velocidade na análise de matérias-primas e, consequentemente, maior índice de produção.

“Portanto, são formas de análise extremamente vantajosas para aplicação industrial e representam um grande avanço ambiental. Além disso, este trabalho também abriu perspectivas sobre a qualidade do fruto, pois foi possível relacionar o teor de óleo com a sua qualidade. Essas metodologias podem auxiliar na escolha do fruto de acordo com a necessidade e qualidade do óleo”, diz Colnago.

Impactos da RMN no Agro

Com mais de 30 anos de estudos em aplicações de ressonância magnética, Colnago lembra que as espectroscopias têm sido utilizadas com sucesso na determinação de parâmetros de qualidade de produtos in natura e industrializados do agro brasileiro, como grãos, carne, azeite e até vinho.

Aparelhos desenvolvidos em parceria entre o pesquisador e a empresa Fine Instrument Technology (FIT) já são utilizados na região Norte do país e, em mais de 20 países de quatro continentes, para analisar o teor de óleo em frutos de dendê. O SpecFit leva embarcado a técnica de ressonância magnética e analisa em segundos, de forma limpa e precisa a quantidade de óleo nos frutos.

De acordo com a diretora administrativa da FIT, a empresa está acompanhando os desenvolvimentos realizados pela Embrapa de perto, considerando que todo o conhecimento e vantagens obtidos com o óleo de palma (óleo de Dendê), poderão ser adotados para os produtores de óleos e farinhas provenientes da pupunha.

“Utilizando o SpecFIT será possível determinar os valores de teores de óleo, proteína, umidade, acidez em segundos e auxiliar à toda a cadeia produtora desde a seleção de sementes mais produtivas até ganhos de eficiência da produção com redução de perdas. A FIT já possui atuação comercial em países como Colômbia, Guatemala, Peru, Equador, Costa Rica, México, dentre outros, que são justamente os países propícios para a expansão dessa cultura”, diz a diretora.

Adaptada da medicina por Colnago, a ressonância magnética utilizada para análises de produtos do agro não gera imagem, como o aparelho de um hospital, mas sim sinais com informações químicas da amostra e em poucos segundos.

Yves Santos observou que a utilização de métodos espectroscópicos, que não utilizam reagentes, como o infravermelho próximo (NIR) e a ressonância magnética nuclear (RMN), ainda não foram relatados na literatura para determinar o teor e a qualidade de óleo em farinhas extraídas dos frutos de pupunha, o que faz o estudo ser o pioneiro com esse foco.

“As principais vantagens destes métodos são a sensibilidade, segurança, não-invasividade, baixo custo operacional, rotatividade rápida e automatizada das amostras”, afirma o Yves, atualmente em curso de doutorado em Ciências da Engenharia de Alimentos na USP.

Processamento da pupunha

Os 93 frutos de pupunha utilizados no estudo foram coletados no estado do Acre, no Norte do Brasil, despolpado, liofilizados – processo de desidratação por sublimação, que ocorre quando a água contida no produto passa direto do estado sólido para o gasoso, sem passar pelo líquido.

Depois, as amostras foram trituradas e separadas em fração fina e fibrosa de farinha de pupunha. Apenas a fração fina foi utilizada para as análises. Segundo Yves Santos, o teor de óleo variou de 1,8 a 14,1% nas amostras de farinhas. “Acreditamos que a grande variabilidade do óleo se deve à variação genética, dos solos e das condições ambientais, que consequentemente afeta o conteúdo e a composição lipídica”, diz o engenheiro de alimentos.

Santos relata que estudos recentes apontaram propriedades bastante interessantes no óleo do fruto da pupunha, como o fato de ser líquido à temperatura ambiente e menos sujeito à oxidação quando comparado a outros óleos com maior concentração de ácido linoleico.

“O óleo do fruto da pupunha tem boa qualidade, mesmo quando comparado ao óleo de outras frutas amazônicas. Portanto diversifica as fontes dietéticas de lipídios, por serem fontes de ácido linolênico, ácido linoleico e ácido oleico, podendo ter ação antioxidante contra alguns tipos de câncer, efeito anti-inflamatório, além de reduzir algumas doenças cardiovasculares”, afirma Santos.

Versatilidade

A pupunha ou pupunheira pode atingir até 25 metros de altura. Da palmeira, extrai-se a fruta, de cor alaranjada e arredondada, chamada de pupunha, ainda pouco conhecida fora da região Norte do país, e uma variedade de palmito popular no Brasil, conhecido como palmito pupunha.

Considerada uma planta comestível não convencional, o fruto da pupunha contém cerca de 90% de polpa e 10% de semente. Entre as suas vantagens estão compostos fitoquímicos, especialmente atividades antioxidantes e antimicrobianas. É rica em macronutrientes e fitonutrientes, como carotenóides, esteróis e ácidos graxos.

O estudo resultou em artigo publicado na edição 43 da revista Food Science and Technology em janeiro de 2023. Além de Santos, Folador e Colnago, o trabalho contou com participação de pesquisadores do Departamento de Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de Rondônia (Ariquemes – RO), da FZEA, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC/USP), e Departamento Acadêmico de Química e Biologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Curitiba – PR).

A pesquisa recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Rondônia (Fapero), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Por Comunicação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)

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