Relatório apresenta demandas e propostas para política linguística na Universidade

Resultados das discussões de seminário mostram demandas e propostas das faculdades e institutos da USP para a situação das línguas em todas as áreas do conhecimento

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Representantes de 21 unidades da USP participaram das discussões promovidas pelo I Seminário sobre Políticas Linguísticas na Universidade de São Paulo, que aconteceu nos dias 10 e 11 de outubro de 2022, sobre a criação de uma política linguística plurilíngue, inclusiva e internacional para os ambientes acadêmicos e administrativos da Universidade. No fim do ano, foi liberado o relatório com as propostas, encaminhadas para a administração central da USP, e que está disponível neste link. A linha de trabalho vai no caminho de incluir as línguas com uma função integradora e de forma permanente no projeto político-pedagógico dos cursos. Além da formação em línguas para além das indo-europeias, essa política estabelece como central o ensino de português.

O seminário foi organizado pelo grupo de trabalho (GT) Interunidades em Políticas Linguísticas para a USP (PoLinguas-USP), da Faculdade de Educação (FE) e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Para María Teresa Celada, professora da FFLCH e integrante do GT, os dados e relatos trazidos pelas unidades confirmaram o que já se imaginava sobre a situação das línguas na USP. “As práticas universitárias estão permeadas por uma diversidade de línguas e isso exige uma política, um trabalho que dê sustento a esse funcionamento acadêmico e administrativo,” afirma.

Os trabalhos foram realizados a partir de duas mesas, com os temas O papel das línguas na constituição da excelência acadêmica da USP e O papel das línguas na construção e difusão de conhecimento, e da discussão de propostas para compor políticas a partir do tema As línguas em cada unidade nos diversos segmentos – graduação, pós-graduação, pesquisa, inovação, extensão, internacionalização e inclusão e pertencimento.

Em relatório, os participantes do seminário destacam que a questão das línguas não pode significar apenas a oferta de cursos, de uma perspectiva instrumental. O conceito deve ser ampliado para vivências, experiências e socialização entre pessoas, culturas e línguas. Outro ponto destacado é que partir do plurilinguismo significa contemplar saberes diversos, reconhecendo línguas africanas, asiáticas, indígenas e brasileiras, incluída Libras.

Foi constatada que a situação das línguas na Universidade é diversificada: de acordo com suas necessidades linguísticas, cada unidade estabeleceu acordos e convênios diferentes. Na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), por exemplo, as línguas mais utilizadas são o inglês, espanhol, italiano e francês. Na Escola Politécnica (Poli), por contar com mais parceiros na internacionalização, estão o alemão, italiano e francês, e há professores que falam chinês e japonês.

No nível da pós-graduação, as políticas linguísticas são mais parecidas entre si nos programas em geral do que aquelas direcionadas à graduação, e o leque de línguas estudadas, faladas e nas quais são feitas as publicações é maior — são aceitas, dentre outras, o árabe, armênio, hebraico, russo e o swahili (língua africana). No ingresso da pós, os conhecimentos linguísticos (em muitos casos, do inglês) são requisitos explícitos e obrigatórios.

Institucionalização da política linguística

Uma percepção que prevalece entre os participantes do seminário é que os aspectos discutidos são estruturais, de âmbito de todos os setores da Universidade, e, por isso, deveriam passar por um processo de institucionalização. Uma proposta sugere criar uma Superintendência de Políticas Linguísticas ou outro órgão transversal centralizado pela Reitoria, com foco em língua, documentação, divulgação, tradução, sites, editais e convênios, e que considere as especificidades dos diferentes campi.

A partir dos princípios de plurilinguismo e interculturalidade, todas as medidas seriam institucionalizadas para que não fossem pontuais ou esporádicas, ou ficassem a cargo somente das unidades, além da organização das iniciativas já existentes de modo que trabalhem em sinergia. Com um planejamento de curto, médio e de longo prazo, as ações, como a tradução dos sites institucionais em várias línguas, contribuirão para “fortalecer a autodeterminação da USP como instituição e, desse modo, as línguas deixariam de se apresentar como ‘um problema’ e passariam a ser um ponto de solução e de convergência”, afirmam os relatores do GT.

Para que as intervenções sejam eficientes e, sobretudo, contínuas, outra proposta é avaliar a capacidade e o alcance dos Centros de Línguas da Universidade para ampliar o atendimento, além de articulá-los às demandas das unidades a fim de comporem os projetos acadêmicos. Problemas de falta de verba devem ser evitados a partir desse planejamento.

Outro ponto estrutural é a institucionalização das Comissões de Relações Internacionais (CRInt) das unidades, para que tenham estatuto semelhante às Comissões Estatutárias e evitem problemas como o acúmulo de funções dos servidores técnico-administrativos e a falta de estrutura operacional.

Propostas para cada área

No campo da pesquisa, os relatores atestam que a cultura do fator de impacto das revistas que publicam artigos científicos em muitos casos restringe a língua, aceitando somente os trabalhos em inglês. Mas, de acordo com o GT, é preciso incentivar a produção em mais idiomas, a circulação de publicações em outras línguas e a tradução de livros de referência, documentos e materiais de divulgação do português para outros idiomas.

Para os alunos e sua formação linguística, o relatório traz várias propostas. Dentre elas, implantar de forma efetiva a Resolução nº 7.110/2021 e a Portaria da graduação nº 7.667/2021, que preveem bolsas de fomento para os alunos em atividades linguísticas nas unidades, não apenas em forma de aulas presenciais. Para o programa iFriends, criar uma versão linguística, a partir do sistema TeleTandem, que une, por exemplo, alguém que sabe o italiano e o francês e precisa do espanhol com um estudante da mesa ou de outra unidade para estabelecer uma troca linguística em momentos como um coffee hour.

Esse e outros programas, como o iPoli, da Poli, e o VetFriends, da FMVZ, também são meios de integração dos alunos brasileiros com os intercambistas, e podem ser estimulados para valorizar a difusão e a socialização. A sugestão também é de que se articule, junto à Pró-Reitoria de Graduação (PRG) e à Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG), orientações sobre a curricularização dessas atividades como Atividades Acadêmicas Complementares (AAC) ou outro tipo de crédito.

Tais ações são complementares aos cursos, para os quais uma proposta central é oferecer disciplinas em língua estrangeira para alunos brasileiros e disciplinas em língua portuguesa para alunos estrangeiros, com a condição de que façam parte do currículo, sendo obrigatórias, optativas livres ou optativas eletivas, para estimular o interesse pelo aprendizado de línguas. É provável que, no caso de serem optativas, a demanda seja alta, o que exigirá critérios de seleção. Na Escola de Engenharia de Lorena (EEL) e no Hospital Universitário (HU), por exemplo, não há oferta de disciplinas em outras línguas além do português.

Podem ser tomadas como base experiências de universidades do exterior e, dentro da USP, os cursos de verão e de inverno, que incentivam a leitura e a produção científica em línguas como o inglês, francês e alemão. Para o inglês, os relatores lembram que é preciso considerar também que muitos dos alunos que ingressam na Universidade a partir das políticas de inclusão não detêm um conhecimento prévio suficiente da língua para cursar a graduação, necessitando de cursos. Além disso, esses alunos enfrentam dificuldades financeiras para alcançar a internacionalização.

Sobre as certificações de proficiência em língua estrangeira, é preciso dar continuidade aos cursos preparatórios da Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani), além de ampliá-los. Dentro dos convênios, o grupo também sugere criar a discussão do conceito de certificação e insistir na aceitação de certificados emitidos pelas universidades brasileiras, considerando que, para uma bolsa pela Aucani, diante do número limitado de certificados reconhecidos, há o problema do custo dos exames.

Para o GT, a formação linguística deve alcançar alunos e todos os funcionários da comunidade USP, não somente aqueles diretamente ligados às comissões de internacionalização, já que eles normalmente entram em contato com os alunos estrangeiros para responder dúvidas sobre as rotinas e tramitações da Universidade.

Questionário de línguas

Os resultados do seminário foram encaminhados para leitura pela Reitoria e demais órgãos da USP. Agora, o GT trabalha na análise das respostas da comunidade universitária ao questionário Línguas na USP e, tendo como foco a graduação, com o Programa de Iniciação e Aperfeiçoamento na Docência (Proiad) na produção de cursos, oficinas e materiais de ensino em nove línguas (chinês, coreano, japonês, espanhol, francês, inglês, italiano, português e russo) até setembro de 2023, que conta com 20 bolsistas de graduação e pós-graduação, supervisionados por docentes da FE e da FFLCH.

II Seminário sobre Políticas Linguísticas na Universidade de São Paulo está programado para o segundo semestre de 2023, no campus de Ribeirão Preto. O GT conta com apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU), da Pró-Reitoria de Graduação (PRG) e da Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG). Para mais informações, entre em contato com o GT pelo e-mail polinguas-usp@usp.br.

Por Jornal da USP

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