Com que cor eu vou: Pesquisa de docente do IAU é referência no país

Crédito: Kelen Dornelles

Estudo foi citado no Jornal Nacional

Ao percorrer as ruas de São Carlos, não se sabe o que é mais fácil de se encontrar: barbearias ou restaurantes japoneses. A quantidade de estabelecimentos desse tipo tem crescido vertiginosamente nos últimos anos, não somente em São Carlos, mas também no Brasil e no mundo.

O que pouca gente sabe é que esses estabelecimentos podem estar colaborando para o aumento da temperatura nas cidades, e de uma maneira pouco surpreendente: as cores com as quais são pintados refletem uma quantidade expressiva de calor, visto que a grande maioria é pintada de preto, de vermelho, ou com as duas cores, ambas com um índice de absorção de calor altíssimo- 98% no caso das cores pretas, e 78,5% no caso das vermelhas.

A propriedade de absorção da radiação solar em uma superfície é chamada “absortância”, que define a razão entre a energia solar absorvida por uma superfície, e a energia total incidente sobre a mesma. O estudo dessa propriedade é o principal foco de pesquisa de Kelen Almeida Dornelles, docente do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU/USP). Debruçando-se sobre esse tema desde seu doutorado, cuja defesa foi realizada há mais de dez anos (2008), ela se tornou uma especialista no assunto, tornando-a uma referência no Brasil e rendendo-lhe até mesmo uma menção nominal no Jornal Nacional. A tabela desenvolvida pela docente para obtenção da absortância de diferentes cores de tintas aplicadas em fachadas é também utilizada pelo Procel Edifica. “Na época de meu doutorado, fiz medições dos índices de absorção das superfícies, trabalhando mais especificamente com tintas. Em minha tese, mostrei como diferentes cores de tinta impactam na temperatura superficial de certos materiais”, explica a docente.

Os estudos de Kelen contemplam apenas o calor absorvido pela superfície dos materiais, não analisando o quanto a cor interfere na transmissão do calor, visto que isso tem a ver com as demais propriedades térmicas do material. “Existem diversas variáveis que interferem na absortância de uma superfície: a cor que é pintada, o tipo de tinta e também sua composição química, mas quando o foco é a reflexão de calor, o maior determinante continua sendo a cor”, afirma.

Diferenças de temperaturas superficiais entre as cores. Entre as cores preta e branca, a diferença pode chegar a 41ºC. Crédito: Kelen Dornelles

Para fazer essas aferições, Kelen inseriu amostras de tinta em um espectrofotômetro*. O equipamento emite sobre a tinta uma radiação similar à solar e, ao mesmo tempo, mede quanto dessa radiação é refletida. “A cor branca, por exemplo, reflete 80%. Já o preto reflete apenas 2%, absorvendo praticamente todo calor que é emitido sobre as superfícies”, elucida Kelen.

A comprovação dessa hipótese está em nosso cotidiano, mais especificamente sob as rodas de nossos carros: a temperatura atingida pelos asfaltos pode chegar até 90ºC. E isso impacta diretamente na temperatura do ar nesses locais. “Uma superfície, ao ser aquecida, aquece também o ar que está ao seu redor. É o mesmo princípio de um forno”, compara a docente.

A cor ideal

Ao se pensar na pintura de uma edificação, estética e desconforto térmico costumam andar de mãos dadas. “Fico surpresa em ver como as pessoas não têm a percepção sobre o quanto a cor externa influencia no conforto no interior de suas casas”, lamenta Kelen.

Portanto, com esse conceito em mente, a casa ideal deveria ser pintada de branco, correto? Não. Nossos olhos não dariam conta do recado. “Não precisamos ir ao extremo e pintar tudo de branco. Há uma campanha internacional para pintar todos os telhados de branco**, o que eliminaria parte do problema térmico nas cidades, mas ainda fica a questão da alta reflexão da luz. O branco ofusca e incomoda bastante a vista. Isso pode ser muito ruim em regiões com aeroportos, por exemplo”, explica.

Para ela, é possível contemplar as duas coisas, beleza e conforto, visto que, hoje em dia, as opções de cores de revestimentos são inúmeras- inclusive para telhas. A alternativa seria simplesmente optar pelas cores claras, como as em tom pastel, que giram em torno de 40 a 60% de absorção do calor. “O branco gelo, por exemplo, tem absorção de 50%. Ou seja, ainda é branco, mas absorve muito mais do que o branco puro”.

Tudo isso não significa que as cores escuras não deverão nunca mais ser usadas. Há diversas pesquisas nessa área, especialmente nos Estados Unidos e Europa, que buscam desenvolver tintas e telhas escuras com o potencial de reflexão de calor das cores claras. São os chamados revestimentos frios, cuja composição química leva pigmentos que refletem bastante o infravermelho, sem modificar o aspecto visível. Mas enquanto ele não é vendido no Brasil, é melhor continuar pintando tudo de bem clarinho mesmo- e pensando em como convencer os barbeiros e sushi men de que “white is the new black”.

*Instrumento de análise amplamente utilizado em laboratórios de pesquisa, capaz de medir e comparar a quantidade de luz absorvida, transmitida ou refletida por uma determinada amostra (Fonte: Wikipedia)

**Campanha “One Degree Less” coordenada pela ONG Green Building Council Brasil, que incentiva a pintura de telhados das grandes cidades com a finalidade de evitar o aumento do aquecimento global e diminuir em 1ºC a temperatura do planeta

Para saber mais:

– Paper: Absortância solar e desempenho térmico de tintas frias para uso no envelope construtivo (1)

– Paper: A ilusão das cores na identificação da absortância solar de superfícies opacas (2)

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