USP Filarmônica apresenta concerto com repertório colonial

Nesta quarta-feira, em São Carlos, orquestra vai exibir pela primeira vez obras musicais do século 18 restauradas

A USP Filarmônica – Foto: André Estevão

Trinta e seis manuscritos musicais que remontam ao período colonial foram encontrados no Convento do Carmo de Mogi das Cruzes, na Região Metropolitana de São Paulo, há cerca de 40 anos. Dentre os papéis, ao todo, foram identificados 12 fragmentos de obras — ou “solfas”, termo técnico que designa partituras —, que exigiram um extenso processo de restauração. Pela primeira vez, o repertório completo das solfas será apresentado pela USP Filarmônica em um concerto único nesta quarta-feira, dia 14, às 20 horas, na Igreja São Sebastião, em São Carlos (SP). O espetáculo inclui ainda outras peças coloniais inéditas, descobertas na Bahia e em Minas Gerais, com o objetivo de criar um panorama da produção musical brasileira no século 18.

O maestro e professor da USP Rubens Russomanno Ricciardi – Foto: Divulgação/IEA-USP

As solfas foram encontradas entre as páginas de uma Bíblia que pertencia a padres carmelitas instalados em Mogi das Cruzes desde o século 17. Elas datam da primeira metade do século 18. Os resultados da pesquisa para a recuperação dessas partituras, consideradas as peças musicais brasileiras mais antigas já encontradas, estão registrados no livro As Solfas de Mogi das Cruzes – Edições Musicais e Apontamentos Históricos, lançado no dia 8 de setembro. Com 324 páginas, a obra foi escrita pelo maestro Rubens Russomano Ricciardi, professor do Departamento de Música da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e regente da USP Filarmônica, em conjunto com o historiador e paleógrafo Odair de Paula. Até o momento, o livro não foi disponibilizado para venda — os exemplares da primeira impressão foram distribuídos para instituições musicais da América Latina.

A publicação é a primeira a reunir edições integrais de sete das 12 obras encontradas, embora com reconstituições poéticas de alguns trechos perdidos das partituras originais. “As outras cinco solfas apresentavam menos de 50% de seu conteúdo original, e por isso não foram retrabalhadas”, conta Ricciardi. “Vários pesquisadores já trabalharam com esse material, mas suas edições do repertório foram mais acadêmicas. Minha edição é voltada à execução musical, ou seja, para possibilitar que os corais e as orquestras brasileiras possam incorporar esse antigo repertório carmelita em seus programas”, diz. O livro é ainda o primeiro a trazer fotografias em alta resolução de todos os 36 manuscritos, com frente e verso, e uma análise crítica das composições.

Ilustração de capa do livro As Solfas de Mogi das Cruzes – Foto: Reprodução/Sesc-SP

Financiada pelo edital Rumos 2019-2020 do Instituto Itaú Cultural, a pesquisa de Ricciardi e de Odair de Paula foi desenvolvida através do Núcleo de Pesquisa em Ciências da Performance em Música (NAP-Cipem) da FFCLRP, e exigiu a consulta a arquivos cartoriais e eclesiásticos de Mogi das Cruzes, São Paulo, Rio de Janeiro e Portugal. Como resultado desse trabalho, o livro congrega, também, novos apontamentos históricos sobre as solfas.

O coautor Odair de Paula destaca que a identificação e a contextualização dos nomes registrados nas solfas foram parte importante do projeto de pesquisa. “As composições têm três autores: o padre Faustino Xavier do Prado, Ângelo Xavier do Prado, irmão de Faustino, e Timóteo Leme do Prado, sobre o qual não conseguimos obter muitas informações”, explica.

“O padre Faustino foi uma figura interessante. Ele seguiu carreira na Igreja: foi padre e ecônomo da Catedral da Sé, em São Paulo, e, quando morreu, foi enterrado naquela igreja. Os levantamentos que fizemos provam, também, que no final da vida Faustino atuou na Inquisição”, conta De Paula. Documentos apontam, ainda, que o padre era parente de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, o mais célebre participante da Inconfidência Mineira.

O concerto da USP Filarmônica que apresentará as solfas de Mogi das Cruzes e outras obras brasileiras do século 18 será realizado nesta quarta-feira, dia 14, às 20 horas, na Igreja de São Sebastião (Avenida Doutor Carlos Botelho, 2.371, Centro, em São Carlos). Entrada grátis.

Texto: Mariana Carneiro

Arte: Rebeca Fonseca

Por Jornal da USP

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